|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Para juiz, entregar traficante aos EUA é "subserviência atroz"
Wálter Maierovitch, ex-secretário antidrogas, diz que extradição de Juan Carlos Ramirez Abadía "significa não se apurar nada" sobre atuação dele no Brasil
LAURA CAPRIGLIONE
ANDRÉ CARAMANTE
DA REPORTAGEM LOCAL
Primeiro secretário nacional
antidrogas (de 1998 a 2000), o
juiz aposentado Wálter Fanganiello Maierovitch é um especialista em atividades criminosas transnacionais. Consultor
da Organização das Nações
Unidas e presidente do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone,
referência em estudos sobre
crime organizado, Maierovitch
discorda dos que apresentam
Juan Carlos Ramirez Abadía
como uma espécie de reencarnação de Pablo Escobar. "Ele é
apenas um operador. A polícia
está querendo provar eficiência
com esta prisão, mas não dá para comparar com Escobar -este sim um gênio do crime."
Maierovitch explica ainda
por que bandidos colombianos
gostam da idéia de, uma vez
presos, serem extraditados para os EUA. Para ele, o Brasil
precisa usar o recurso da delação premiada para desmontar a
rede criminosa que funciona
aqui. "Entregá-lo às autoridades americanas é coisa de uma
subserviência atroz", diz.
FOLHA - A Polícia Federal comparou o narcotraficante Abadía, preso
no último dia 7, ao lendário Pablo
Escobar, líder do cartel de Medellín...
WÁLTER MAIEROVITCH - Ramirez
Abadía é um operador. Se se
comparar o Diego Montoya
Sánchez, líder máximo do Cartel do Valle do Norte, ao presidente da República, o Ramirez
Abadía seria o prefeito de uma
cidade importante. Não tem
nada a ver dizer que é tão importante quanto Escobar.
FOLHA - Por quê?
MAIEROVITCH - Pablo Escobar tinha uma companhia de aviação, a "Expresso da cocaína", tinha área de refino, a "Tranqüilândia". Antes dele não havia
um pé de coca na Colômbia
-foi ele que introduziu. Virou
parlamentar. Quando ameaçado de extradição para os EUA,
ele fez um presídio para si. Este,
sim, era o maior do mundo, um
gênio do mal. Começou como
ladrão de cemitério. Não dá para comparar Abadía com Escobar para, assim, tentar provar a
eficiência da polícia brasileira.
FOLHA - Ramirez Abadía é importante na organização?
MAIEROVITCH - É. Como operador, é. Mas outros iguais a ele
estão espalhados pelo mundo.
O sistema do narcotráfico, com
a quebra do Cartel de Medellín
e de Cali, não tem mais mega-organizações. A Colômbia tem
uma miríade de "cartelitos".
FOLHA - O Cartel do Valle do Norte
é um desses "cartelitos"?
MAIEROVITCH - Ele tem uma situação particular, porque apóia
e é apoiado pelos grupos paramilitares de direita que combatem as Farc (Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia),
grupo guerrilheiro esquerdista.
As Farc têm como principal
fonte de renda o seqüestro de
pessoas. Depois, vem o roubo
de gado. A terceira fonte é a
chamada "taxa revolucionária",
cobrada por plantio e refino de
coca. Quem combate essa insurgência são os paramilitares,
cuja maior organização são as
AUC (Autodefesas Unidas da
Colômbia), financiadas pelo
chefão do Cartel do Valle do
Norte, Diego Montoya Sánchez. Ele já jogou droga nos
EUA, está condenado à prisão
perpétua lá. É difícil encontrá-lo? Não. Ele chegou a namorar
uma ex-miss colombiana, passeava de jipinho com ela.
FOLHA - E por que ele não é preso?
MAIEROVITCH - Porque ajuda a
combater as Farc e ainda impede que elas conquistem uma
área rica em petróleo no oeste
da Colômbia. A política antidrogas é uma política interesseira, que esconde objetivos
geoestratégicos.
FOLHA - Por que Ramirez Abadía
parece fazer tanta questão de cumprir pena nos Estados Unidos?
MAIEROVITCH - Vou dar um
exemplo. Os EUA pegaram os
irmãos Ochoa, que eram sócios
do Escobar. Para evitar a prisão
perpétua, entregaram Escobar
e o narcoditador Manuel Noriega [do Panamá, preso em
1990 e condenado a 30 anos de
prisão]. Os traficantes passaram um tempinho presos e voltaram à Colômbia com todo o
patrimônio. Hoje, são os maiores criadores de cavalo e gado
da Colômbia. Não se metem
mais com o narcotráfico. Esse
tipo de negociação interessa
muito aos americanos. É possível que Ramirez Abadía queira
um acordo desse tipo.
FOLHA - Se Ramirez Abadía for para os EUA e fizer uma negociação como essa, o que vai acontecer?
MAIEROVITCH - O Brasil está
quase entrando nessa enganação. Eu sei que nosso sistema
penitenciário é uma porcaria,
que esse camarada pode fugir,
pode ficar telefonando. Mas o
fato é que ele cometeu crimes
aqui e isso precisa ser apurado.
Aqui também tem a possibilidade de delação premiada.
Com a extradição, estará
montada a farsa. Ele poderá fazer um acordo para preservar o
patrimônio e toda a estrutura
de tráfico e lavagem que mantém no Brasil. Para nós interessa uma investigação profunda.
FOLHA - Não é mais fácil para ele
fugir de uma cadeia brasileira?
MAIEROVITCH - É preciso colocá-lo em Regime Disciplinar Diferenciado. Agora, entregá-lo às
autoridades americanas é coisa
de uma subserviência atroz. Ele
tem de ser punido aqui -é o
princípio da territorialidade. Se
a polícia é uma porcaria aqui, e
é, que se conserte.
FOLHA - Sabe-se que a prisão só foi
possível por causa da colaboração
da DEA (Drug Enforcement Administration), agência americana de combate ao narcotráfico, que municiou
a PF com informações. Não seria justo entregá-lo neste contexto?
MAIEROVITCH - O jogo do DEA é
pegar um grande e negociar. É
possível que traficantes brasileiros, que mandam drogas para a Europa, tenham a ver com
o pessoal do Ramirez Abadia?
Não é só possível como era o
que ocorria. Agora, qual era o
porto que eles usavam? Era
Santos ou era o Rio de Janeiro?
A extradição pura e simples
significa não se apurar nada. O
jogo do DEA está em prometer
uma recompensa pela prisão,
mas, "achou, manda pra nós".
Será que a nossa polícia está
terceirizada? Em nome do quê?
FOLHA - Se o narcotráfico é transnacional, não seria razoável supor
que o combate a ele também fosse?
MAIEROVITCH - Seria. Infelizmente, porém, o que existe é
cooptação internacional de policiais na América do Sul. Fazem a Escola Andina de Inteligência, dão cursos. Põem dinheiro. Colaboram com a obra
da sede da PF em Brasília.
FOLHA - Quantos agentes do DEA
existem no Brasil?
MAIEROVITCH - A primeira grande briga que comprei na secretaria [nacional antidrogas] foi
quando oficiei o embaixador
americano para saber quantos
agentes do DEA e da CIA havia
em atividade no Brasil. Sabe
qual foi a resposta? "Não lhe
devemos satisfação." E por que
eu perguntei isso? Porque eu
fui a Tabatinga, que é uma
grande entrada de drogas, cinco sujeitos se apresentaram como agentes da DEA. Me deram
os cartões. Apesar das resistências, foi possível saber que, entre DEA, CIA e NAS (Narcotic
Affairs Section), havia 63 agentes aqui. Hoje, não sei.
Texto Anterior: Caso dividiu-se em outro, dizem investigadores Próximo Texto: Doação de órgãos no Brasil cai pelo terceiro ano consecutivo Índice
|