São Paulo, terça-feira, 03 de outubro de 2000

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MARILENE FELINTO

Olimpíada e eleição: vitória da raça e do protesto

Foi sobretudo a raça dos cidadãos considerados de segunda classe, os negros e as mulheres, que trouxe as medalhas mais importantes para o Brasil na Olimpíada de Sydney. Por isso mesmo -e não apenas porque não ganhou nenhum ouro- essa foi e será a nossa participação menos prestigiada na história dos Jogos Olímpicos.
Não foi a raça nobre do cavalo Baloubet du Rouet -do milionário cavaleiro Rodrigo Pessoa- que trouxe prêmio para o Brasil. Também não foi o dinheiro do patrocínio do tenista Gustavo Kuerten nem o preço do passe de Ronaldinho Gaúcho. Foi a raça do homem, o braço do homem: foi a vitória da força de vontade contra a fetichização da técnica e do dinheiro.
Num mundo em que a técnica ocupa uma posição tão decisiva, como diz Adorno, a relação atual das pessoas com a técnica tem algo de exagerado, irracional, patogênico. As pessoas, segundo ele, inclinam-se a considerar a técnica como sendo algo em si mesmo, um fim em si mesmo, uma força própria, esquecendo que ela é apenas a extensão do braço dos homens.
Quem já tinha ouvido falar de Vicente Lenilson, Edson Luciano ou André Domingues, atletas do revezamento 4 x 100? Com Claudinei Quirino, ganharam uma medalha de prata na última hora, a conquista brasileira mais emocionante dos jogos. São todos atletas pobres, negros, sobreviventes na vida e no esporte. Sem apoio oficial ou "patrocínio" privado, treinaram sempre em pistas esburacadas e criaram músculo comendo pão e tomando a sopa do vizinho, em orfanatos e lares de classe baixa.
Foi a vitória do esforço, do sacrifício e da humildade contra o estrelismo, o dinheiro e a sonegação -a vitória de Janeth, Alessandra, as cestinhas do basquete, e suas companheiras; das moças do vôlei e do vôlei de praia. Elas e os rapazes do atletismo superaram o estrelismo fácil do futebol, a virilidade esnobe que o "patrocínio" milionário impinge no atleta, o comportamento imoral do cidadão Wanderley Luxemburgo, o descaso da era FHC para com a gente da cozinha -os negros, os pobres, os desvalidos em geral- deste país injusto.

Nas urnas, o protesto claro contra o estado de coisas da era FHC. O fato de a oposição já ter ganho em cinco capitais e estar na disputa em dez outras, incluindo as mais importantes como São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba e Recife, já diz tudo.
A ocorrência de segundo turno em Recife, pela primeira vez na história daquela cidade politicamente reacionária -e sem previsão nas pesquisas que apuraram intenção de votos-, é exemplar.
O candidato à reeleição, o branco Roberto Magalhães, do fisiológico PFL de Antonio Carlos Magalhães, vai disputar o segundo turno com um petista mulato, João Paulo. O "Leão do Norte", apelido do Estado de Pernambuco, parece que começa a acordar de sua eterna hibernação.
A ocorrência de segundo turno em Curitiba, a mais conservadora das capitais brasileiras, depois de 12 anos de domínio da direita, é outro indício de rebelião. Cassio Taniguchi (PFL) vai disputar a prefeitura com Vanhoni (PT).
Já a derrota da candidatura de Geraldo Alckmin (do PSDB de FHC) em São Paulo para Paulo Maluf, o que torna tudo muito pior- significou a desmoralização final do governo efeagacista e seus caciques Covas, Serra, Paulo Renato. Pelo menos como veiculadoras de protesto as urnas ainda servem neste mundo de liberdade ilusória da democracia.


E-mail - mfelinto@uol.com.br



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