|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MARILENE FELINTO
Olimpíada e eleição: vitória da raça e do protesto
Foi sobretudo a raça dos
cidadãos considerados de segunda classe, os negros e as mulheres, que trouxe as medalhas
mais importantes para o Brasil
na Olimpíada de Sydney. Por isso
mesmo -e não apenas porque
não ganhou nenhum ouro- essa
foi e será a nossa participação
menos prestigiada na história dos
Jogos Olímpicos.
Não foi a raça nobre do cavalo
Baloubet du Rouet -do milionário cavaleiro Rodrigo Pessoa-
que trouxe prêmio para o Brasil.
Também não foi o dinheiro do
patrocínio do tenista Gustavo
Kuerten nem o preço do passe de
Ronaldinho Gaúcho. Foi a raça
do homem, o braço do homem: foi
a vitória da força de vontade contra a fetichização da técnica e do
dinheiro.
Num mundo em que a técnica
ocupa uma posição tão decisiva,
como diz Adorno, a relação atual
das pessoas com a técnica tem algo de exagerado, irracional, patogênico. As pessoas, segundo ele,
inclinam-se a considerar a técnica como sendo algo em si mesmo,
um fim em si mesmo, uma força
própria, esquecendo que ela é
apenas a extensão do braço dos
homens.
Quem já tinha ouvido falar de
Vicente Lenilson, Edson Luciano
ou André Domingues, atletas do
revezamento 4 x 100? Com Claudinei Quirino, ganharam uma
medalha de prata na última hora, a conquista brasileira mais
emocionante dos jogos. São todos
atletas pobres, negros, sobreviventes na vida e no esporte. Sem
apoio oficial ou "patrocínio" privado, treinaram sempre em pistas
esburacadas e criaram músculo
comendo pão e tomando a sopa
do vizinho, em orfanatos e lares
de classe baixa.
Foi a vitória do esforço, do sacrifício e da humildade contra o
estrelismo, o dinheiro e a sonegação -a vitória de Janeth, Alessandra, as cestinhas do basquete,
e suas companheiras; das moças
do vôlei e do vôlei de praia. Elas e
os rapazes do atletismo superaram o estrelismo fácil do futebol,
a virilidade esnobe que o "patrocínio" milionário impinge no
atleta, o comportamento imoral
do cidadão Wanderley Luxemburgo, o descaso da era FHC para
com a gente da cozinha -os negros, os pobres, os desvalidos em
geral- deste país injusto.
Nas urnas, o protesto claro contra o estado de coisas da era FHC.
O fato de a oposição já ter ganho
em cinco capitais e estar na disputa em dez outras, incluindo as
mais importantes como São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre,
Curitiba e Recife, já diz tudo.
A ocorrência de segundo turno
em Recife, pela primeira vez na
história daquela cidade politicamente reacionária -e sem previsão nas pesquisas que apuraram
intenção de votos-, é exemplar.
O candidato à reeleição, o branco Roberto Magalhães, do fisiológico PFL de Antonio Carlos Magalhães, vai disputar o segundo
turno com um petista mulato,
João Paulo. O "Leão do Norte",
apelido do Estado de Pernambuco, parece que começa a acordar
de sua eterna hibernação.
A ocorrência de segundo turno
em Curitiba, a mais conservadora
das capitais brasileiras, depois de
12 anos de domínio da direita, é
outro indício de rebelião. Cassio
Taniguchi (PFL) vai disputar a
prefeitura com Vanhoni (PT).
Já a derrota da candidatura de
Geraldo Alckmin (do PSDB de
FHC) em São Paulo para Paulo
Maluf, o que torna tudo muito
pior- significou a desmoralização final do governo efeagacista e
seus caciques Covas, Serra, Paulo
Renato. Pelo menos como veiculadoras de protesto as urnas ainda servem neste mundo de liberdade ilusória da democracia.
E-mail - mfelinto@uol.com.br
Texto Anterior: Após plano de resgate, presídio muda visitas Próximo Texto: Há 50 anos Índice
|