|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
Prédio na favela agora tem decorador e móvel planejado
Com expansão da renda, moradores pagam arquiteto para criar ambiente
Conjunto habitacional da prefeitura conta até com estande decorado;
urbanistas estudam a
novidade em doutorado
VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DE SÃO PAULO
Por dentro, o apartamento
poderia estar em qualquer
bairro de classe média: tem
teto de gesso rebaixado, luz
indireta, piso de porcelanato, luminárias assimétricas,
paredes texturizadas, armários e estantes planejados e
espelhos por todo lado.
Por fora, vê-se que ele está
na favela de Paraisópolis, a
segunda maior de São Paulo,
num conjunto de habitação
popular da prefeitura.
Com a expansão da classe
C, estrato da população com
renda de três a dez salários
mínimos, moradores que até
outro dia viviam em barracos
têm contratado arquitetos ou
se inspirado em revistas de
decoração para criar ambientes espelhados nos padrões
de consumo da classe média.
Em dois tempos, a tendência ganhou o nome de Favela
Cor, uma alusão à Casa Cor,
famosa feira de decoração de
arquitetos-estrela.
NA MODA
Há 20 anos, a bilheteira de
teatro Valmisa Gonçalves da
Silva coleciona revistas de
decoração. Hoje, o acervo está em 50 exemplares porque
os números mais antigos, fora de moda, ela joga fora.
Com as edições, Valmisa
aprendeu a pendurar os quadros na parede (de tamanhos
diferentes e de disposição assimétrica) e decorou o quarto
da filha de cinco anos com
motivos da boneca Barbie.
"Colocamos piso de cerâmica, rebaixamos e engessamos o teto, pintamos e texturizamos as paredes e trocamos os pontos de luz", diz.
Quando anda pelas ruas
da favela de Heliópolis, onde
tem um projeto de habitação
popular, a pergunta que o arquiteto Ruy Ohtake mais ouve dos moradores da região
é: "O piso fica melhor com cerâmica ou porcelanato?".
"É até compreensível que
isso aconteça. Quando querem melhorar de moradia, o
apelo é pelas revistas de decoração. É natural que se espelhem na próxima classe
social", afirma Ohtake.
As dúvidas eram tantas
que ele resolveu inovar:
montou um apartamento decorado, igualzinho àqueles
dos estandes das construtoras, para inspirar os moradores a montar a nova casa.
"Ficaram entusiasmados
com o apartamento decorado
e dizem que jamais teriam
aquelas ideias sozinhos",
completa Ohtake.
Pelo Plano Diretor, todos
os apartamentos de conjuntos habitacionais da prefeitura têm, no máximo, 50 m2.
Na favela Nova Jaguaré, o
arquiteto Marcos Boldarini,
autor do projeto de urbanização daquela região, diz que
os moradores pedem as plantas com metragem para comprar móveis planejados.
"Há uns requintes de decoração muito interessantes.
Vi um porcelanato preto e
não pude comprar para a minha casa", afirma Boldarini.
Curiosamente, raras são as
paredes pintadas de branco.
"São cores berrantes, isso é a
tradução de um outro padrão
estético. Os sofás são enormes, nem cabem naquele espaço. É um reflexo do aumento da renda e de mais linhas de financiamento a juros baixos", diz.
CLASSE C
O interesse em torno da decoração para a classe C cresceu tanto que até as lojas de
material de construção, como a C&C, têm hoje arquitetos à disposição dos clientes
para criar ambientes.
Revistas de decoração, antes voltadas para o público
das sofisticadas lojas de móveis da al. Gabriel Monteiro
da Silva, hoje têm edições
inspiradas no comércio de
crediário a perder de vista,
como o das Casas Bahia.
Aliás, pobre e popular são
palavras vetadas. "Nem pensar, é perder clientes", diz a
arquiteta Rafaela Albuquerque, que já decorou apartamentos em Paraisópolis. O
valor cobrado pelos decoradores não passa de R$ 2.000.
A prefeitura diz já ter percebido que o investimento
em arquitetura faz com que
os moradores se sintam cada
vez mais donos do lugar e isso diminui a evasão.
O fenômeno já chegou às
faculdades de urbanismo e
tem pautado teses de doutorado dos arquitetos.
FOLHA.com
Veja a decoração de
apartamentos na favela
folha.com/ct807953
Texto Anterior: Há 50 Anos Próximo Texto: Análise/Favela Cor: Fenômeno mostra integração à cidade formal Índice | Comunicar Erros
|