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RUBEM ALVES
Ética de princípios
Duas éticas -a de princípios e a contextual. A única pergunta a se fazer é: "Qual delas está mais a serviço do amor?"
AS DUAS ÉTICAS: a ética que brota da contemplação das estrelas perfeitas, imutáveis e
mortas, a que os filósofos dão o nome de ética de princípios, e a ética
que brota da contemplação dos jardins imperfeitos e mutáveis, mas vivos -a que os filósofos dão o nome
de ética contextual.
Os jardineiros não olham para as
estrelas. Eles nada sabem sobre os
estrelas que alguns dizem já ter visto
por revelação dos deuses. Como os
homens comuns não vêem essas estrelas, eles têm de acreditar na palavra dos que dizem já as ter visto longe, muito longe...
Os jardineiros só acreditam no
que os seus olhos vêem. Pensam a
partir da experiência: pegam a terra
com as mãos e a cheiram...
Vou aplicar a metáfora a uma situação concreta. A mulher está com
câncer em estado avançado. É certo
que ela morrerá. Ela suspeita disso e
tem medo.
O médico vai visitá-la. Olhando,
do fundo do seu medo, no fundo dos
olhos do médico ela pergunta: "Doutor, será que eu escapo desta?"
Está configurada uma situação
ética. Que é que o médico vai dizer?
Se o médico for um adepto da ética
estelar de princípios, a resposta será
simples. Ele não terá que decidir ou
escolher. O princípio é claro: dizer a
verdade sempre. A enferma perguntou. A resposta terá de ser a verdade.
E ele, então, responderá: "Não, a senhora não escapará desta. A senhora
vai morrer..." Respondeu segundo
um princípio invariável para todas
as situações.
A lealdade a um princípio o livra
de um pensamento perturbador: o
que a verdade irá fazer com o corpo e
a alma daquela mulher? O princípio,
sendo absoluto, não leva em consideração o potencial destruidor
da verdade.
Mas, se for um jardineiro, ele não
se lembrará de nenhum princípio.
Ele só pensará nos olhos suplicantes
daquela mulher. Pensará que a sua
palavra terá que produzir a bondade. E ele se perguntará: "Que palavra
eu posso dizer que, não sendo um
engano -"A senhora breve estará
curada...'-, cuidará da mulher como
se a palavra fosse um colo que acolhe
uma criança?" E ele dirá:
"Você me faz essa pergunta porque você está com medo de morrer.
Também tenho medo de morrer..."
Aí, então, os dois conversarão longamente -como se estivessem de
mãos dadas ...- sobre a morte que os
dois haverão de enfrentar. Como sugeriu o apóstolo Paulo, a verdade está subordinada à bondade.
Pela ética de princípios, o uso da
camisinha, a pesquisa das células-tronco, o aborto de fetos sem cérebro, o divórcio, a eutanásia são questões resolvidas que não requerem
decisões: os princípios universais
os proíbem.
Mas a ética contextual nos obriga
a fazer perguntas sobre o bem ou o
mal que uma ação irá criar. O uso da
camisinha contribui para diminuir a
incidência da Aids? As pesquisas
com células-tronco contribuem para trazer a cura para uma infinidade
de doenças? O aborto de um feto
sem cérebro contribuirá para diminuir a dor de uma mulher? O divórcio contribuirá para que homens e
mulheres possam recomeçar suas
vidas afetivas? A eutanásia pode ser
o único caminho para libertar uma
pessoa da dor que não a deixará?
Duas éticas. A única pergunta a se
fazer é: "Qual delas está mais a serviço do amor?"
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