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CRISE SOCIAL
Pesquisa mostra que este é o crime que mais sofre impacto dos problemas socioeconômicos na cidade de São Paulo
Desemprego alavanca roubos no trânsito
SÍLVIA CORRÊA
DA REPORTAGEM LOCAL
O roubo no trânsito -a pedestres, motoristas e passageiros- é,
na capital paulista, a modalidade
criminosa que mais sofre o impacto do crescente desemprego,
que já atinge quase 2 milhões de
pessoas na região metropolitana.
Numa escala de 0 a 100, é possível afirmar que o desemprego explica 85% da variação dos ataques
em carros, 80% da oscilação dos
casos em ônibus e 74% dos altos e
baixos dos assaltos a pedestres.
São índices altos. Para ter uma
idéia da proximidade dessa relação basta dizer que, se as oscilações percentuais de ambos os fenômenos -desemprego e roubos- fossem sempre proporcionais ao longo dos meses, as taxas
seriam 100% -12 pontos a mais.
Esse é o conceito de variância
-uma forma de aferir em que
medida, em um certo período,
dois fenômenos se relacionam. E
a sintonia entre o aumento do número de desempregados e explosão de casos de roubos no trânsito
da capital é a principal constatação de uma pesquisa feita pelo
Uniemp (Fórum Permanente
Universidade-Empresa), fundação ligada à Unicamp, em parceria com a Secretaria de Estado da
Segurança Pública.
O governo cedeu aos pesquisadores a totalidade dos boletins de
ocorrência registrados na capital
entre outubro de 2000 a setembro
de 2003. E eles procuraram aferir
o potencial de impacto em dezenas de crimes de duas das muitas
variáveis tradicionalmente listadas para explicar a criminalidade.
"Não é nova a constatação da
influência dos fatores socioeconômicos sobre a criminalidade.
Essa é uma retórica antiga. Mas
sempre se falou disso de forma
ampla, sem que se apontasse que
tipo de crime é afetado pelo desemprego e que tipo de desemprego afeta a criminalidade", explica o economista Leandro Piquet Carneiro, 39, professor do
departamento de ciência política
da Universidade de São Paulo e
um dos cinco autores da pesquisa.
Na busca de respostas, os estudiosos chegaram a uma curiosa
conclusão: se o desemprego é
acompanhado por um aumento
maior dos roubos, a queda de renda tem um paralelo mais claro
com o aumento de furtos -crimes menos agressivos e nos quais
há menor exposição do autor.
Na opinião do psicanalista Jacob Pinheiro Goldberg, autor do
livro "Cultura da Agressividade",
o contraste tem raiz na própria diferença dos processos de marginalização impostos pelo desemprego e pela redução de renda.
"Quando o indivíduo é deslocado socialmente de maneira radical [pelo desemprego], ele tende a
adotar comportamentos mais radicais em vários sentidos. Se o
deslocamento se dá aos poucos
[por uma perda crescente de renda], ele igualmente responde
pouco a pouco a essa violência social", analisa Goldberg.
E seqüestros, aumentam com a
recessão? "Não é possível fazer
correlações com episódios cujo
universo estatístico não é significativo, mas podemos dizer que o
maior potencial de impacto de
um período de crise se dá sobre os
índices dos crimes de oportunidade", afirma o economista norte-americano Clifford Alexandre
Young, Ph.D em métodos quantitativos e psicologia social. "Porque é evidente que o afetado pelo
desemprego não se associa imediatamente em quadrilha."
Sem emprego e sem tudo
Se as conclusões podem soar elitistas, os estudiosos apressam-se
em explicar que o desemprego e a
queda de renda são tomados, na
pesquisa, como variáveis sintetizadoras de um contexto amplo. É
como se fossem a gota d'água de
uma processo no qual misturam-se, perigosamente, os elementos
do desgastado tecido social.
"Estamos medindo também
mecanismos indiretos de exclusão. Porque ficar sem emprego
aqui, onde quase não há mecanismo de proteção social e o mercado de trabalho só encolhe, é bem
diferente de ficar desempregado
na Europa. Lá certamente o impacto do desemprego sobre a criminalidade é menor", diz Young.
A falta de esperança de uma vida melhor seria a tônica por trás
desse processo, como já anunciava o norte-americano Elliot Currie há 20 anos. Dizia ele: "As perspectivas pessimistas de encontrar
um emprego decente nos mercados esfacelados das grandes cidades produzem um terreno fértil
para a reprodução do crime".
Esse seria o motivo pelo qual,
mostram os números, o desemprego entre jovens de 15 a 17 anos
e pessoas de mais de 40 anos
-pais desses jovens- seria o
que mais alimentaria o crime.
"Aqui temos um estado de mal-estar social. O sujeito não tem nenhuma chance de ter suas necessidades supridas fora do mercado
de trabalho, e a sociedade só o reconhece pelo emprego que tem. O
efeito psicológico disso é arrasador", afirma Nancy Cardia, especialista em psicologia social e
coordenadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP.
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