São Paulo, domingo, 04 de abril de 2010

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De volta ao terremoto

Moradores retirados de área onde houve tremor voltam para local condenado por não se adaptarem à vida urbana em conjunto habitacional construído para eles

Emmanuel Pinheiro/Folha Imagem
Regiane Mota e sua família; ela insiste emviver em área condenada pela Prefeitura de Itacarambi (MG)

FELIPE BÄCHTOLD
DA AGÊNCIA FOLHA
EMMANUEL PINHEIRO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM ITACARAMBI (MG)

Por medo, a família de Marcilia Lima, 49, costuma colocar colchões no quintal de casa à noite e dormir ao ar livre.
Moradores da vila de Caraíbas (norte de MG), eles sofreram os efeitos do primeiro terremoto a provocar uma morte no país. Em dezembro de 2007, um tremor de 4,9 graus na escala Richter matou uma criança de seis anos, feriu outras seis pessoas e destruiu casas da localidade, que fica sobre uma falha geológica.
O trauma da tragédia ficou. O receio da família é que a estrutura da casa desabe enquanto dormem com algum novo tremor. Assim como outras 75 famílias, eles foram obrigados a abandonar a área, considerada condenada pela prefeitura e pelo Estado. Mas agora antigos moradores estão retornando clandestinamente ao local.
A justificativa é uma só: a necessidade de trabalhar no campo. As casas construídas para as vítimas do terremoto, que têm piso e cobertura especiais antitremores, foram erguidas pelo Estado em uma área urbana de Itacarambi (662 km de Belo Horizonte), a 30 km da vila.
Acostumados ao campo, muitos moradores não se adaptaram à vida no centro do município nem arrumaram emprego lá. Pelo menos seis famílias já retornaram a Caraíbas e muitos vão diariamente ao vilarejo para trabalhar nas plantações e criar gado.

Saudade
Berenice Pereira de Azevedo, 45, e seus parentes preferem morar em uma casa cheia de rachaduras a sair de Caraíbas.
O morador do conjunto habitacional construído em Itacarambi José Raimundo Conceição, 43, diz que o "terremoto parou" e que pretende voltar a viver no vilarejo, onde quer construir "um barraco". Hoje, conta, vai e volta para a região rural. "Dá saudade", diz.
Mesmo longe de áreas sujeitas a fortes terremotos, como os que ocorreram no Haiti e no Chile neste ano, o Brasil tem regiões onde há tremores com alguma frequência.
O Observatório Sismológico da Universidade de Brasília instalou equipamentos em Itacarambi. O último tremor anotado ocorreu em outubro, com com intensidade de 2,5 graus. A unidade mais próxima do Corpo de Bombeiros fica a mais de 200 km dali, em Montes Claros.
O município diz que vai providenciar a retirada dos moradores -eles prometem resistir, no entanto.
Segundo técnicos do Observatório Sismológico, a área apresenta riscos, mas é possível construir casas seguras em regiões que ficam próximas a falhas geológicas.
Por ser uma comunidade rural de baixa renda, as casas erguidas no vilarejo mineiro tinham estrutura rudimentar, o que colaborou para a tragédia ocorrida em 2007. As novas moradias, de acordo com o município, também não suportariam tremores mais intensos em Caraíbas.
Para o chefe da Defesa Civil municipal, Arnaldo Oliveira, as famílias deveriam ter sido instaladas em um local onde "tivessem condições de sobreviver". "Eles até admitem que estão sentindo alguns tremores. O que eles alegam é que não têm como sustentar suas famílias aqui na cidade. Eles sobrevivem da agricultura familiar. E, aqui onde eles foram instalados, eles não têm condições."
A Cohab (Companhia de Habitação do Estado) diz que o local para a construção das casas foi escolhido pelo próprio município. Procurado pela reportagem, o Corpo de Bombeiros de Minas Gerais informou que a expansão das unidades depende de solicitação das cidades e de negociações com elas.


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