São Paulo, domingo, 04 de maio de 2008

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DANUZA LEÃO

A vida a dois


E os amigos? A mulher implica com os dele, e ele com os dela, o que é um dos problemas do casamento

O GRANDE problema da vida é que, mesmo quando duas pessoas são muito próximas, uma delas quer, com freqüência, exatamente o oposto do que quer a outra -e isso nos mais variados campos.
A mãe quer que o filho vá para a cama às dez horas -razão suficiente para que ele queira ir às três da manhã. E como resolver esse problema, a não ser usando da autoridade no que ela tem de mais antipático e antidemocrático? Ponderar, explicar que a aula no dia seguinte começa cedo, tentar entrar num acordo, é apenas uma ilusão; cada um quer fazer o que quer e bem entende, e ceder, em nome do bom senso e da civilidade, deixa uma das partes -a que cede- de péssimo humor. Com toda a razão, aliás.
Existe coisa mais insuportável do que ir ver o filme que o namorado quer quando a vontade é ver um outro? Jantar no restaurante que o amigo escolheu, fazer a viagem que o marido achou mais interessante, na época que ele decidiu ser a melhor? Mas para não ficar só é preciso ceder, e geralmente quem cede é sempre o mesmo -uma grande injustiça, aliás.
A marca e a cor do carro, o bairro onde vão morar, o tipo de comida que a empregada faz, as frutas que são compradas na feira, tudo costuma ser decidido sempre pelo gosto de um dos dois -e o outro que se habitue. Só num ponto não há acordo: quem não gosta de alho não vai tolerar, jamais, que o outro chegue em casa com a prova do crime cometido no almoço; este é um tema sem nenhuma esperança de solução.
E os amigos? A mulher costuma implicar com os dele, e ele com os dela, o que é um dos grandes problemas do casamento. Mas como estão os dois apaixonados e dispostos a qualquer coisa para que dê certo, cada um cede -olha aí a palavra de novo- um pouco; um dia saem com os dela, no outro com os dele, o que significa que sempre um vai estar com um certo mau humor quando chegar em casa -mas tudo pelo amor.
Ah, mas por que não se pode fazer apenas o que se quer? Poder até pode, mas para isso é preciso abrir mão de um marido, namorado ou caso -o que tem sido, aliás, a escolha de muita gente, nos últimos tempos. Mas será esta a solução?
Às vezes é ótima; não ter que dividir o controle remoto da televisão com ninguém -convenhamos- é uma grande felicidade. Mas como seria bom também ter com quem ir ao cinema e depois sair comentando, trocando uma idéia, parar num bar e tomar um chope, comer uma pizza e sentir que faz parte da humanidade, digamos, normal.
Porque, com todas as vantagens, quem escolheu ficar só se sente muitas vezes um estranho no ninho, seja entrando numa festa, seja saindo, seja sentado sozinho no restaurante observando os casais das outras mesas, juntos -mesmo que, grande parte das vezes, se você reparar bem, eles estão mais sós que você.
São muitas as vantagens de uma solteirice assumida; mas às vezes, numa tarde de sábado, batem uns sentimentos que contrariam essa escolha tão duramente feita. E nessas horas você pensa: ah, como seria bom estar com alguém, mas de verdade mesmo. Como seria bom.
Aí você passa em revista os amigos, todos os homens por quem poderia eventualmente ter algum interesse, e se pergunta: será que eu gostaria de estar com algum deles aqui comigo, agora?
E se a resposta for um não convicto, talvez seja a hora de reconhecer que algumas pessoas nasceram para serem sós, e que você -feliz ou infelizmente- é uma delas.
Ou, pensando melhor: será que não somos, todos nós, uma grande multidão de solitários?

danuza.leao@uol.com.br


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