São Paulo, quinta, 4 de junho de 1998

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CRIME ORGANIZADO
Quadrilha composta por policiais civis e militares é suspeita da morte de 30 pessoas nos últimos dez anos
PF investiga crime grupo de extermínio no AC

RUBENS VALENTE
da Agência Folha, em Rio Branco

A Polícia Federal do Acre investiga a atuação de grupos de extermínio formados por policiais civis, militares e informantes, suspeitos de envolvimento ou participação direta no assassinato de pelo menos 30 pessoas no Estado nos últimos dez anos.
Outros 80 homicídios não esclarecidos também estão tendo a investigação inicial reexaminada. O trabalho da PF ganhou características de intervenção federal nas polícias do Acre depois que crimes bárbaros -como a amputação de braços e pernas de um homem, ainda vivo, com uma motosserra- foram arquivados como de "autoria desconhecida".
Os crimes, segundo uma subcomissão criada pelo Ministério da Justiça, têm, quase sempre, duas marcas: "queima de arquivo" e disputa por pontos de drogas.
A subcomissão é composta por representantes da PF, do Ministério Público Federal e Estadual e da Polícia Militar. De outubro de 97 até a semana passada, foram ouvidas 48 pessoas. De 12 delas, entre policiais e políticos, a comissão conseguiu indícios de envolvimento nos crimes. Outras 10 estão na relação das suspeitas.
Os crimes no Acre revelaram-se uma ação de crime organizado quando as testemunhas, que foram depor ou estavam convocadas para dar o depoimento na subcomissão, começaram a ser mortas.

Testemunhas assassinadas

Os casos do mecânico Sérgio Rodrigues Soares, 18, e do ex-presidiário Francisco dos Santos Rocha, o "Baia", 23, são os mais emblemáticos dessa ação organizada. Os dois foram mortos no início e final de março. A Folha teve acesso aos relatórios com os depoimentos dados à subcomissão do Ministério da Justiça sobre a eliminação das testemunhas.
O mecânico foi morto com 15 tiros na madrugada de 28 de março, numa emboscada feita por três homens. Soares havia dito que viu policiais receptando drogas.
Baia", o ex-presidiário, que cumpriu pena por tráfico de drogas, foi morto a tiros em um restaurante, no início de março, por três homens que se identificaram como policiais.
A ação intimidatória dos "esquadrões" atinge até mesmo o presidente do Tribunal de Justiça do Acre, Gercino José da Silva Filho, 50, que sofrendo ameaças de morte e está sob proteção da PF.
Em setembro do ano passado, outra testemunha, o policial civil Walter José Ayala, 43, foi assassinado dentro de um ônibus no centro de Rio Branco. Morreu 15 dias depois de ter dito ao presidente do TJ que estava disposto a colaborar.
Um ex-informante da Polícia Civil, cujo nome está sendo mantido em sigilo, escapou de dois atentados a bala, depois de ter prestado depoimento, em 6 de fevereiro .
Ele denunciou o envolvimento de policiais civis e militares em crimes como "execução e esquartejamento" de pessoas e tráfico de drogas. Por decisão da subcomissão, o ex-informante foi transferido há uma semana para outro Estado, com toda a família.
Outra testemunha, o preso Valtemir Gonçalves, 24, o "Palito", denunciou em 10 de maio que mais quatro pessoas correm risco de vida em Rio Branco. "Palito" foi transferido para a Penitenciária da Papuda, em Brasília (DF),
O procurador da República e relator da subcomissão, Ricardo Nakahira, disse à Folha não ter certeza de que os assassinatos do mecânico e do ex-presidiário fossem para prejudicar os trabalhos da subcomissão. Ainda assim, dez testemunhas foram aconselhadas a tomar medidas de segurança.
A polícia também investiga uma estranha coincidência: o assassinato de um hóspede de um hotel no interior do Amazonas, no mesmo dia em que uma testemunha dos crimes no Acre estava ali hospedada, no mês passado. A suspeita é que os criminosos tenham eliminado a pessoa errada.




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