São Paulo, segunda-feira, 04 de julho de 2005

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ARTE E VIDA

Para médica, doentes não cogitam abreviar a vida quando há bons cuidados paliativos

Paciente grava poesias e presenteia colegas

DA REPORTAGEM LOCAL

Com câncer na próstata em evolução e metástase nos ossos, o aposentado Manir de Godoy, 76, é um exemplo de que é possível ter qualidade de vida mesmo diante de uma doença incurável.
Há mais de um mês ele ocupa um dos seis leitos da enfermaria de cuidados paliativos do Hospital do Servidor Público Estadual, em São Paulo, um dos pioneiros no país a realizar esse tipo de trabalho, que o Cremesp pretende incentivar.
Assim como Godoy, os outros portadores de doenças incuráveis recebem oxigênio, soro, radioterapia e remédios para evitar a dor. Não são feitos procedimentos invasivos nem reanimação cardíaca, por exemplo.
Mesmo com um braço quebrado devido à fragilidade óssea motivada pela doença, ele grava poesias de autores famosos para os outros pacientes. "Qual é o brasileiro que não é poeta?", desconversa, quando indagado se também escreve poemas.
Godoy pretende criar um departamento de arte no hospital, que ajude os pacientes a encarar melhor a doença. "Dostoievski [Fiodor Mikhailovitch Dostoievski, 1821-1881, escritor russo] era epilético e não se abatia. É claro que não dá para comparar minha doença com a dele. Mas me miro no exemplo desses grandes homens. A arte foi maior que a doença."
Antes de se internar na enfermaria do hospital, Godoy já era atendido em casa por uma equipe de profissionais do local -outros cem doentes contam com esse serviço atualmente.
A médica Maria Goretti Maciel, idealizadora do trabalho, afirma que os cuidados paliativos trazem dignidade ao doente terminal. Para ela, quando existe um bom trabalho nessa área, os pacientes nem cogitam abreviar a vida (eutanásia). "Nesses últimos cinco anos de trabalho, com mais de mil pacientes atendidos, só uma senhora quis se abster de procedimentos que lhe dariam um ou dois meses de vida."
Para ela, deixar o paciente terminal numa UTI, longe da família, só aumenta o sofrimento. "Um paciente fora de possibilidade de cura não é um doente fora de possibilidade de vida."
A família também recebe apoio psicológico durante o processo e após a morte do paciente.
O hospital Emílio Ribas e o Hospital do Servidor Público Municipal, ambos de São Paulo, também mantêm serviço de cuidados paliativos. Nesse último, os doentes são tratados em uma ampla casa na Aclimação (zona sul da capital).
No início do ano, os paliativistas, como são chamados os profissionais que atuam com cuidados paliativos, criaram a Academia Nacional de Cuidados Paliativos, que luta para que a atividade seja reconhecida como especialidade médica.
Na opinião de Maciel, é fundamental que as escolas de medicinas ensinem a aliviar a dor física, psíquica, social e espiritual do doente terminal. (CC)


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