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entrevista
Para escritor, internação pode ajudar doentes
RODRIGO VIZEU
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O escritor e jornalista Renato Pompeu, 67, tem um
histórico de internação que
data dos anos 1970, quando
começou a ter alucinações.
Chegou a passar 20 meses
seguidos internado em clínicas psiquiátricas particulares. O último surto, em 2000,
levou-o a ficar um mês no
Água Funda, hospital psiquiátrico paulista.
Mesmo tendo conhecido a
rede de saúde mental antes
da lei de 2001, que reformou
o sistema psiquiátrico, Pompeu defende a internação como opção de tratamento,
principalmente por fazer o
paciente conviver com pessoas com situação semelhante e, assim, passar a entender
a própria doença.
Com passagens pela Folha, pela "Veja" e pelo "Jornal da Tarde", Pompeu é hoje
colunista da "Caros Amigos".
FOLHA - O que lhe causou os primeiros sintomas?
RENATO POMPEU - Fui preso
por uma semana durante o
regime militar (1964-85), devido a coisas que escrevi e
por conhecer pessoas procuradas. Sofri espancamento
com cabo de vassoura e choque nos dedos. Saí com mania de perseguição e me deteriorei até ter alucinações.
FOLHA - Como foram suas experiências internado?
POMPEU - Concordo que alguns hospitais antigos eram
depósitos de doentes. Mas o
internamento foi a melhor
coisa que me aconteceu depois da psicanálise. Acho que
a pessoa deve ser internada
quando não se aguenta mais
e deve ficar até voltar a se
aguentar. Eu não entendo esse negócio de ficar sete dias e
depois voltar para a família.
O doente vai voltar à situação
patológica que se criou.
Quando eu saí da internação,
fui morar com amigos e, depois, sozinho.
FOLHA - Qual o papel dos outros
internados no hospital?
POMPEU - O normal é você
pensar que não está pensando coisas malucas. Mas,
quando você está internado,
percebe o outro e surge na
sua cabeça: "Estou vendo
que o cara está fazendo coisas absurdas, eu digo para ele
e ele não acredita. Ele está fazendo o mesmo comigo. Será
que eu também não estou
pensando coisas absurdas?".
A grande terapia do doente
mental é o outro doente.
FOLHA - Você já sofreu violência
durante internações?
POMPEU - No primeiro ano e
meio que fiquei internado,
um doente socou meu ombro por trás. Em outro ano e
meio que morei sozinho, fui
assaltado três vezes. Um hospital bem organizado é relativamente protegido.
FOLHA - Como foi ficar no hospital da Água Funda, que é público?
POMPEU - Tinha medicação,
atividades, psicoterapia individual e de grupo. Achei bastante razoável.
FOLHA - Você tem contato com o
movimento antimanicomial?
POMPEU - Tinha mais antes.
Eles foram parando de me
chamar pelas minhas posições a favor de internação e
contra o retorno para a família. Acho também que lugar
pequeno não é muito conveniente; médicos ficam amigos de pacientes, passam a
tolerar os sintomas, não se
cria uma noção clara do que é
normal e do que é doença.
RODRIGO VIZEU participou do 47º programa
de treinamento da Folha, que tem patrocínio
da Philip Morris Brasil, da Odebrecht e da Oi.
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