São Paulo, sábado, 04 de julho de 2009

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entrevista

Para escritor, internação pode ajudar doentes

RODRIGO VIZEU
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O escritor e jornalista Renato Pompeu, 67, tem um histórico de internação que data dos anos 1970, quando começou a ter alucinações. Chegou a passar 20 meses seguidos internado em clínicas psiquiátricas particulares. O último surto, em 2000, levou-o a ficar um mês no Água Funda, hospital psiquiátrico paulista.
Mesmo tendo conhecido a rede de saúde mental antes da lei de 2001, que reformou o sistema psiquiátrico, Pompeu defende a internação como opção de tratamento, principalmente por fazer o paciente conviver com pessoas com situação semelhante e, assim, passar a entender a própria doença. Com passagens pela Folha, pela "Veja" e pelo "Jornal da Tarde", Pompeu é hoje colunista da "Caros Amigos".

 

FOLHA - O que lhe causou os primeiros sintomas?
RENATO POMPEU
- Fui preso por uma semana durante o regime militar (1964-85), devido a coisas que escrevi e por conhecer pessoas procuradas. Sofri espancamento com cabo de vassoura e choque nos dedos. Saí com mania de perseguição e me deteriorei até ter alucinações.

FOLHA - Como foram suas experiências internado?
POMPEU
- Concordo que alguns hospitais antigos eram depósitos de doentes. Mas o internamento foi a melhor coisa que me aconteceu depois da psicanálise. Acho que a pessoa deve ser internada quando não se aguenta mais e deve ficar até voltar a se aguentar. Eu não entendo esse negócio de ficar sete dias e depois voltar para a família. O doente vai voltar à situação patológica que se criou. Quando eu saí da internação, fui morar com amigos e, depois, sozinho.

FOLHA - Qual o papel dos outros internados no hospital?
POMPEU
- O normal é você pensar que não está pensando coisas malucas. Mas, quando você está internado, percebe o outro e surge na sua cabeça: "Estou vendo que o cara está fazendo coisas absurdas, eu digo para ele e ele não acredita. Ele está fazendo o mesmo comigo. Será que eu também não estou pensando coisas absurdas?". A grande terapia do doente mental é o outro doente.

FOLHA - Você já sofreu violência durante internações?
POMPEU
- No primeiro ano e meio que fiquei internado, um doente socou meu ombro por trás. Em outro ano e meio que morei sozinho, fui assaltado três vezes. Um hospital bem organizado é relativamente protegido.

FOLHA - Como foi ficar no hospital da Água Funda, que é público?
POMPEU
- Tinha medicação, atividades, psicoterapia individual e de grupo. Achei bastante razoável.

FOLHA - Você tem contato com o movimento antimanicomial?
POMPEU
- Tinha mais antes. Eles foram parando de me chamar pelas minhas posições a favor de internação e contra o retorno para a família. Acho também que lugar pequeno não é muito conveniente; médicos ficam amigos de pacientes, passam a tolerar os sintomas, não se cria uma noção clara do que é normal e do que é doença.

RODRIGO VIZEU participou do 47º programa de treinamento da Folha, que tem patrocínio da Philip Morris Brasil, da Odebrecht e da Oi.



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