São Paulo, domingo, 04 de julho de 2010

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Filha de ex-preso político vira delegada

Filha de Luiz Travassos, Bárbara hoje controla Delegacia da Mulher

Por causa do histórico do pai, ela chegou a pensar que não seria aprovada no concurso para o posto na polícia

ROBERTO KAZ
DE SÃO PAULO


Quando chegou à última entrevista do concurso para delegada, a advogada Bárbara Travassos tinha certeza de que seria rejeitada. "Não por algo que eu tivesse feito, mas pelo histórico do meu pai."
A preocupação tinha base. Seu pai, Luiz Travassos, fora presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes), organizara a Passeata dos Cem Mil e acabara na cadeia, acusado de terrorismo -tudo durante os Anos de Chumbo da Ditadura.
Para piorar, ainda fora um dos presos políticos trocados pelo embaixador americano, no notório sequestro ocorrido no Rio de Janeiro em 1969.
Mesmo com um currículo familiar tão à margem do protocolo, Bárbara passou. O ano era 2006.
A moça, pequena, magra, loira e mignon, trocou então o passado de aluna do Colégio Equipe ("Onde estudaram a Céu, o Arnaldo Antunes e a Mônica Salmaso") pelo cotidiano cru da 1ª Distrito Policial de Diadema.
Nos primeiros seis meses, viu 14 cadáveres. "Teve um momento que passei a nem lembrar mais do rosto deles."
No exercício da Lei, Bárbara percebeu que, via de regra, a maior parte dos detentos não tem pai. "Nas poucas vezes em que iam mãe e pai à delegacia, o sujeito não costumava reincidir no crime."
Ela explica sua tese com uma frase de efeito: "A polícia é a Lei; a Lei é o pai; e falta pai na nossa sociedade."
Em dezembro de 2009, Bárbara foi transferida para a Delegacia da Mulher, também em Diadema. "A rotina é mais leve do que em uma delegacia normal, mas a mulher, quando reclama, não é a primeira vez. Às vezes, vem de 20 anos de agressão."
Bárbara ingressou na área de segurança um pouco ao acaso. Após trabalhar no Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, prestou concurso para a Defensoria e para o Ministério Público.
Como não passou, sobrou-lhe a possibilidade de tentar ser delegada. Hoje, aos 35 anos, ela ganha R$ 4 mil líquidos por mês, e mora com a mãe no bairro de Perdizes, em São Paulo.
Bárbara guarda poucas lembranças do pai, que faleceu em um acidente de carro em 1982, quando ela tinha 7 anos. Na ocasião estava presente o atual candidato do PT ao governo de São Paulo, Aloizio Mercadante, que virou uma espécie de padrinho sentimental da menina.
Antes do incidente, ainda na época da Ditadura, Luiz Travassos morou no México, em Cuba, no Chile e na Alemanha, sempre como exilado. "Meu pai era procurado, taxado como terrorista, mas nunca pegou em armas."
Coube à filha -ainda que do outro lado da Lei- ocupar o ofício bélico.


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