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Formalização afeta solução de crimes, diz sociólogo
Para Michel Misse, inquérito policial brasileiro antecipa etapa judiciária
Pesquisa feita em cinco capitais mostra que só 16% dos homicídios acabam se tornando processos judiciais
ITALO NOGUEIRA
DO RIO
O atual modelo de inquérito é excessivamente formal,
antecipa análises jurídicas
que deveriam ser feitas só no
Ministério Público e atrasa as
investigações policiais.
Esta é a posição do sociólogo Michel Misse, 59, organizador do livro recém-lançado
"O Inquérito Policial no Brasil: uma Pesquisa Empírica"
(Ed. Booklink), resultado de
uma pesquisa em delegacias
de cinco capitais do país.
Para Misse, coordenador
do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência
Urbana da UFRJ, a necessidade de documentar cada
passo da atividade policial
significa a "cartorialização"
desnecessária da investigação, presente só no Brasil.
Segundo a pesquisa, feita
no Rio, Brasília, Recife, Porto
Alegre e Belo Horizonte, apenas 16% dos homicídios geram processo judiciais.
A pesquisa foi financiada
pela Fenapef (Federação Nacional dos Policiais Federais), que defende a flexibilização do inquérito e a eliminação da figura do delegado
concursado -é a favor da
criação de carreira com entrada única e cargos de comando entregues por mérito.
Misse diz que a pesquisa é
independente. "Em parte encontramos [o que é criticado
pela federação]. Em parte
não." Leia a entrevista:
Folha - Como foi a pesquisa?
Michel Misse - Os pesquisadores viveram o cotidiano
da delegacia para entender a
diferença entre investigação
policial (igual no mundo inteiro) e inquérito policial (formalização da investigação).
A formalização não é feita pela polícia em outros países,
mas sim na etapa judiciária.
Tomar depoimentos com
escrivão em cartório dentro
da delegacia não tem nada a
ver com polícia, mas sim com
a etapa de formação da culpa. O modelo [brasileiro] é
ambivalente: por um lado, é
investigação policial, por outro, é também instrução criminal, escrita, com fé pública, em cartório, com tomada
de depoimento, com relatório juridicamente orientado.
A formalização é problema?
Boa parte do trabalho policial é dedicada a isso, quando poderia se voltar à investigação. É absolutamente desnecessário, porque tudo é repetido nas etapas judiciárias.
A polícia carrega todo o
processo de formação da culpa, quando caberia a ela apenas fazer uma investigação
preliminar para convencer o
Ministério Público de que ali
há um crime e que é possível
identificar o autor.
Isso cria um problema
também na garantia dos direitos dos envolvidos. Como
a investigação é sigilosa, você é acusado sem saber.
O indiciamento não ajuda o
promotor a formar a culpa?
O que é indiciar? A polícia
acredita ter elementos [para
culpar alguém]. A cada mil
casos de homicídios que a
polícia do Rio acreditava ter
elementos, 11% foram aceitos no Ministério Público.
O que acontece? O Ministério Público concorda com o
delegado e denuncia, ou não
concorda e devolve. Aí começa o pingue-pongue: o delegado põe na gaveta, deixa
passar o prazo e remete de
novo ao Ministério Público.
Isso pode durar anos, até que
alguém, exausto, arquive.
A formalização sozinha provoca essa ineficiência?
Há o problema da polícia
técnica, o volume de homicídios... O modelo do inquérito
policial talvez nem seja o
principal. Em Brasília, onde
há a polícia mais bem paga
do país e melhores recursos
técnicos, 70% dos homicídios viram inquéritos com indiciamentos, autoria e materialidade. Vão ao Ministério
Público, que denuncia 20%.
Há uma briga entre Ministério
Público e a polícia sobre o poder da investigação...
O princípio do separatismo é fundamental: quem investiga não acusa. Quem julga não investiga nem acusa.
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