São Paulo, domingo, 04 de agosto de 2002

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RETRATOS DO BRASIL

República concentra 37% das moradias unipessoais; ficar "perto de tudo" atrai os que vivem sós

"Sou muito independente", diz morador

DA REDAÇÃO

Dentro do distrito República, no centro de São Paulo, encontram-se vários pontos notáveis da cidade: os edifícios Copan e Itália, a igreja da Consolação, a própria praça da República.
É nele em que foi constatado o maior percentual de moradias unipessoais (37,1%). Em determinadas áreas do distrito, os números verificados pelo censo são significativamente maiores, chegando até a 67%. Esse é caso de um setor na praça Roosevelt.
A Folha ouviu moradores que vivem sós nessa área, que parece ser descrita perfeitamente por uma frase do psicanalista Contardo Calligaris, 54, sobre os centros das grandes cidades: "É a quintessência do urbano, em que a circulação do desejo é quase tangível".
Renato de Freitas Tinoco, 49, construtor, mora há 12 anos na Roosevelt. Ele se diz feliz por viver sozinho e não pensa em compartilhar seu espaço com ninguém. "É da minha personalidade. Sou muito independente. Gosto de família como visita."
Tinoco não tem idéia de mudar de opção no futuro. "Na velhice, quem socorre é o vizinho. A família vem depois." Ele relata uma certa solidariedade formal no edifício em que mora. Em regra, nenhum vizinho bate na porta do outro sem ser anunciado pela portaria, mas existe cooperação efetiva em caso de doença.
Ele se diz satisfeito com a região, bem servida de transportes e de serviços. "Faço tudo a pé."
Ter tudo próximo é algo muito importante para Otilia Carvalho Gonçalves, 85, viúva. Ela tem parentes que moram no Jardim Paulista e em Alphaville, mas prefere morar na Roosevelt. "Imagine ter de pegar condução para comprar uma alface... Aqui tenho tudo perto: igreja, comércio, banco."
Terezinha Santana, 42, socióloga, também mora na Roosevelt. Ela e o namorado não têm planos de viver juntos. "O legal é morar separado." Ela se define como exemplo de mulher que busca a própria independência. Terezinha valoriza a rede de amizades que criou. Não teme a solidão nem mesmo na velhice. "Vejo com bons olhos até o asilo."
Ivone Morais de Oliveira, 45, está atualmente desempregada. Concorda com os demais moradores ouvidos quando dizem que a região é bem servida de serviços e infra-estrutura, mas faz questão de destacar a degradação urbana.
"Tá tudo muito sujo por aqui. Tem muitos meninos de rua. Se pudesse, eu mudaria."
Ivone também se considera satisfeita por viver sozinha. Diferentemente dos demais, ela aceita a idéia de morar com o namorado. Mas sob a condição de ter um quarto só para ela.
Todos os moradores ouvidos pela Folha se disseram satisfeitos. O que talvez tenha pesado nas declarações possa ser resumido pelo supervisor da Clínica Psicológica da PUC-SP, Ari Rehfeld, a respeito dos benefícios e malefícios de morar só: "Se você quer, é bom. Se você não quer, é ruim".

Reinventando a família
O professor titular de antropologia social do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Gilberto Velho vê o aumento do número dos lares unipessoais como uma manifestação das mudanças que a família vem sofrendo desde o século 19, mas ressalta que não se trata de um movimento linear e absoluto. "Há outras tendências dentro da sociedade, até contrárias, como os filhos adultos permanecerem morando com os pais."
José Guilherme Cantor Magnani, 50, professor de antropologia da Universidade de São Paulo, destaca que a cidade oferece uma rede de serviços e infra-estrutura que possibilita que os habitantes não dependam mais da relação familiar tradicional. "As pessoas não precisam mais dividir encargos domésticos. As necessidades são supridas pela estrutura circundante. Podem, dessa maneira, inventar arranjos criativos."
(EDNEY CIELICI DIAS)


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