São Paulo, domingo, 04 de agosto de 2002

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EDUCAÇÃO

Para o proprietário da maior rede privada de ensino do país, número dos que podem pagar faculdade chegou ao limite

Ensino superior vive impasse, diz Di Genio

LUIZ CAVERSAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Seja quem for, o novo presidente da República enfrentará um "nó" na área da educação superior: o número de alunos não pára de crescer, o tópico do plano decenal para o setor, que previa aumento de vagas na rede pública, foi vetado e a quantidade de pessoas que podem pagar faculdade particular -estimada em 1,8 milhão- chegou ao limite.
A avaliação é do proprietário da maior rede privada de ensino do país, João Carlos Di Genio, 63.
Di Genio, que começou sua carreira com um modesto cursinho pré-vestibular nos anos 60 em São Paulo, hoje responde por um exército de 400 mil alunos, distribuídos por colégio, cursinho pré-vestibular e universidade. Numericamente, o Colégio Objetivo é o maior do Brasil e a Unip (Universidade Paulista), a maior universidade, superando a USP.
Segundo Di Genio -cujas escolas empregam mais de 15 mil professores-, o setor privado de ensino está em crise, apesar de todo o crescimento. Conforme diz, há uma sufocante inadimplência: um em cada quatro alunos não estaria pagando a mensalidade.
Por conta disso, e também da necessidade de atender à demanda de alunos que saem das escolas públicas, ele defende o recadastramento das universidades particulares e a abertura de financiamento para o aluno por parte do governo. Em entrevista à Folha, ele também faz um balanço da gestão FHC na área educacional e aponta a falta de propostas dos candidatos a presidente.

Folha - Qual é o saldo de oito anos da política educacional do governo Fernando Henrique Cardoso?
João Carlos Di Genio -
Isso [existência de uma política educacional] ocorreu no Brasil pela primeira vez em 30 anos. Antes, ministro da Educação ficava um, dois anos no máximo. O presidente e o ministro Paulo Renato estabeleceram uma política educacional e acabaram com os "cartórios" do ensino superior, abrindo a concorrência entre as escolas particulares. Se bem que, devido à atual crise, acho que está na hora de parar.

Folha - Apesar de oito anos da mesma política, a universidade pública continua em crise.
Di Genio -
O que há é problema de verba. O Paulo Renato quis dar mais, o plano decenal aprovado no Congresso previa um mínimo de 40% das vagas na rede pública de ensino superior. Mas os ministérios da Fazenda e do Planejamento disseram que não dava, e o presidente vetou. A situação do país não permite.

Folha - Mesmo assim, o ensino particular não pára de crescer.
Di Genio -
Mas a inadimplência, hoje, já passa dos 25%. E o crescimento, no caso do Objetivo, é resultado de uma política de muitos anos. O cursinho começou em 1965, o colégio em 1970, e eu só instalei faculdades onde havia colégio. Por que é a maior universidade? Porque já era o maior colégio. Quando houve a abertura do ensino superior, já tinha as bases.
Mas o número de alunos que podem pagar uma escola particular no Brasil é, na melhor das hipóteses, 1,8 milhão. Não vejo como esse número possa crescer.
Em 2010, haverá sete milhões de alunos na faixa de 18 a 24 anos aptos para o ensino superior, mais dois milhões fora dessa faixa etária. Dos três milhões existentes hoje, teremos nove milhões. Mas só 1,8 milhão podem pagar escola. Como foi cortado o aumento de vagas na escola pública, como é que esses alunos vão fazer?

Folha - O excesso de oferta de vagas mais inadimplência não levam à queda da qualidade nas faculdades particulares?
Di Genio -
De fato, está sobrando vagas, sim. O que pode acontecer é cair o preço da mensalidade...

Folha - A queda de preço não acarretaria queda de qualidade, porque é a mensalidade que custeia material, laboratórios?
Di Genio -
Tem outra saída: cursos sequenciais, com dois anos de duração, podem absorver o excedente que virá da escola pública.

Folha - Mais uma vez vai significar perda de qualidade, não?
Di Genio -
Esses cursos são mais voltados para a empregabilidade. As empresas ou sindicatos podem ajudar o aluno a pagar. A graduação deve permanecer como está, mesmo porque se você não mantiver professor em tempo integral, não remunerar corretamente e não fizer investimentos, a qualidade cai mesmo.
Pode-se pensar ainda no incremento do ensino à distância. Hoje, a lei permite 20% do currículo em ensino à distância. Talvez se possa ir para 40%.

Folha - O que o sr. tem a dizer a respeito do provão e sobre o fato de a maior parte dos cursos da Unip ter recebido avaliação C em 2001?
Di Genio -
O problema do provão é que ele não vale para o aluno, que só faz porque é obrigado, para tirar o diploma; responde qualquer coisa na prova e vai embora. Veja o caso da USP. Há muitos cursos lá que boicotam o provão. O jornalismo da USP tira E todo ano. A economia, a psicologia também boicotam. Se existe boicote na escola pública, por que não haveria na particular? O governo terá de colocar a nota no currículo do aluno.
Outra coisa que precisa ser feita é universalizar o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio]. Pelo exame, você pode saber se o aluno é A, B, C, D ou E antes de ele entrar na universidade. Depois, você poderá saber o que aquela escola fez com aquele aluno. Uma escola que pegou o aluno E e o formou C não é boa? É uma injustiça. Por isso acho que o provão precisa de adaptações, como dimensionar o valor agregado: saber que tipo de aluno você pega e que tipo de aluno está saindo da escola.

Folha - A universidade pública, mesmo em crise, responde pela maioria das pesquisas no país. O que a rede privada deixa de fazer?
Di Genio -
Depois que o governo criou a figura do centro universitário, ninguém mais quis abrir universidade. Porque o centro universitário não precisa fazer pesquisa e nem precisa ter um terço dos professores em tempo integral, como a universidade. Essa é a pergunta a ser feita: é bom para o país só haver centros universitários? É hora de fazer um recredenciamento das universidades e ver quem fez pesquisa, quem teve stricto sensu aprovado na Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior", quem investiu em laboratório etc. Na Unip aprovamos três cursos e vamos aprovar mais cinco na Capes. Além do que, temos um programa de pesquisas que abrange 12 áreas.

Folha - O que é melhor negócio hoje: faculdade, colégio ou cursinho pré-vestibular?
Di Genio -
Colégio. O ensino superior vai parar de crescer. O colégio, não.

Folha - O que os presidenciáveis estão deixando de discutir?
Di Genio -
Tudo. Nenhum candidato está discutindo a educação. A questão do financiamento, por exemplo. O aumento de vagas na rede universitária foi vetado, não tem jeito. E os alunos que sairão das escolas públicas e não tiverem dinheiro, o que acontecerá com eles? Vai ter que haver financiamento. Você ouviu algum candidato falar sobre isso?


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