São Paulo, quarta-feira, 04 de setembro de 2002

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SAÚDE

Em São Paulo, 76% de mulheres de baixa renda tiveram de ir a dois ou mais hospitais antes de serem internadas para o parto

Pesquisa mostra peregrinação de grávida

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma peregrinação de 12 horas por dois hospitais estaduais e um municipal para conseguir uma vaga em uma maternidade. Essa foi a maratona que a dona-de-casa paulista Francinete Azevedo de Medeiros, 24, enfrentou até dar à luz a menina Melissa, na madrugada de anteontem.
Assim como ela, 76% das mulheres em trabalho de parto que passaram pelo Amparo Maternal, entidade filantrópica que atende grávidas de baixo risco, tiveram de percorrer dois ou mais hospitais antes de serem internadas.
Os dados são de uma pesquisa realizada com 520 gestantes de baixa renda pela enfermeira obstetra Rosely Erclach Goldman, 36, professora do Departamento de Enfermagem da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), no segundo semestre de 2000.
Segundo Rosely, o principal problema é que a maioria das gestantes não recebe orientação durante o pré-natal sobre qual maternidade deve procurar na hora do parto. "Elas têm alta do pré-natal no 8º mês de gestação e depois precisam procurar, por conta própria, um hospital que faça o parto", diz a enfermeira, que apresentou o trabalho como tese de doutorado na Unifesp.
A pesquisa mostra que 80,4% das gestantes realizaram o pré-natal na rede pública de saúde. Dessas, 51% fizeram menos de seis consultas, o mínimo recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Para Adalgisa Borges Nogueira Nomura, 50, coordenadora do plantão controlador de vagas da região metropolitana, da Secretaria de Estado da Saúde, a peregrinação de gestantes não poderia estar ocorrendo.
Ela diz que todas as gestantes, ao terminarem o pré-natal, deveriam ser informadas sobre qual maternidade procurar na hora de ter de o bebê. Caso não haja vaga no hospital indicado, afirma Adalgisa, existe um serviço público responsável por mapear as maternidades da rede com leitos disponíveis (leia texto ao lado).
Entre a população de gestantes pesquisada pela enfermeira Rosely, quatro bebês não sobreviveram. Coincidência ou não, todos eram filhos de mulheres que tiveram de passar por mais de um hospital. Três apresentaram complicações respiratórias e um nasceu prematuro.
Segundo Ana Cristina Tanaka, professora do Departamento Materno Infantil da Faculdade de Saúde Pública da USP, esse índice é alto- 769 mortes por 100 mil nascimentos-, semelhante ao de países africanos.

Pré-natal
A pesquisa avaliou também a opinião das mulheres sobre o atendimento nos hospitais onde houve a recusa de internação. Cerca de 51% das grávidas que passaram por mais de um hospital disseram que suas dúvidas não foram respondidas ou não receberam um diagnóstico.
"Isso gera ansiedade e angústia e contribui para a peregrinação dessas mulheres. Quando a gestante não confia no profissional que a atendeu, procura outro hospital", diz Rosely.
Apesar de preocupantes, os números da pesquisa também apontam uma melhora. Se hoje a maioria das gestantes só encontra uma vaga no segundo ou terceiro hospital que procuram, há pouco mais de três anos era comum passar por seis ou sete instituições até encontrar a porta aberta. Esse dado foi levantado em outra pesquisa realizada por Rosely, em 1998, no Amparo Maternal.


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