São Paulo, quarta-feira, 04 de setembro de 2002

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EDUCAÇÃO

Entidade internacional adota critérios étnicos ao selecionar candidatos ao financiamento de estudos de pós-graduação

Bolsas da Fundação Ford priorizam negros e índios

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

Uma mudança nos critérios da Fundação Ford para concessão de bolsas de pós-graduação pode fazer da índia Maria das Dores Oliveira, 37, da etnia pankaru, a primeira representante da população indígena a conseguir um título de doutorado no país.
Ela foi um dos 42 candidatos selecionados para ganhar uma bolsa de mestrado ou doutorado na primeira vez em que a Ford adotou, no Brasil, critérios de ação afirmativa.
A mudança nos critérios da entidade, tradicional financiadora de bolsas, fez com que, dos 42 escolhidos, mais de 90% fossem negros, pardos ou indígenas. Esses grupos étnicos representam 45,7% da população brasileira, mas apenas 16,7% dos formandos de nível superior, segundo o IBGE e o Ministério da Educação.
Maria nasceu numa aldeia de índios pankaru, no interior de Pernambuco. Ela tem dois cursos de graduação (história e pedagogia) e um mestrado em linguística, e ganhou a bolsa para um doutorado na mesma área, na Universidade Federal de Alagoas.
A chefe do Departamento de Educação da Funai (Fundação Nacional do Índio), Maria Helena Sialho, e a representante da comunidade indígena no Conselho Nacional de Educação do MEC, Francisca Novantino Pinto de Ângelo, dizem não haver registro de índio com título de doutor atualmente no país.
Sobrinha de um cacique e de um pajé, Maria conta que o fato de as mulheres de sua aldeia sempre terem tido voz na comunidade ajudou-a a prosseguir nos estudos, com o apoio dos pais.
"Meu trabalho sempre foi voltado para minha comunidade. Pretendo estudar as línguas indígenas, com o objetivo de não deixá-las morrer completamente ou, ao menos, não morrer sem registro."
A bolsa da Ford também ajudará a estudante de mestrado Adriana Freire Pereira, 24, a ser uma exceção nas estatísticas de negros na pós-graduação no Brasil.
Ela começou a vida escolar da forma menos promissora possível. Aos 7 anos, trabalhava na roça e levava água para os pais e os 11 irmãos, no interior da Paraíba. Caminhava cerca de sete quilômetros por dia.
A família se mudou para um local próximo a uma escola, e Adriana foi tomando gosto pelos estudos. Graças ao esforço pessoal e à ajuda de amigos e parentes, foi passando por todos os níveis de ensino até se formar em serviço social na Universidade Estadual da Paraíba.
A bolsa da Ford ajudará Adriana a concluir o mestrado em sociologia pela Universidade Federal da Paraíba. O salto de uma geração para outra na família é imenso: seus pais não completaram quatro anos de estudo e seu irmão mais velho é analfabeto.
"Meu irmão sempre me incentivou, dizendo que eu tinha de estudar porque ele sofreu muito por ser analfabeto", conta Adriana.
A coordenadora do programa de bolsas da Ford no Brasil, Fulvia Rosemberg, diz que o salto entre gerações é uma característica comum em quase todos os candidatos. "A mobilidade social de uma geração para outra é espantosa."
Ana Cristina de Souza, 37, militante do movimento negro no Rio, também foi beneficiada. Ela considera a militância fundamental para ter prosseguido nos estudos até chegar ao mestrado.
"A partir da militância, tudo o que eu desejava, e acreditava não ser possível, como frequentar um curso superior, tornou-se meu objetivo", afirmou.


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