São Paulo, quarta-feira, 04 de setembro de 2002

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URBANIDADE

Passado presente do futuro

Vincenzo Scarpellini
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO DA USP A construção de 1961 é, no fundo, um gigantesco claustro. Por fora apresenta-se como um monge, austero e contido nos gestos. Dentro, ao redor do quadrado vazio, como nos claustros, os espaços se livram em continuidade, fluem sem rupturas, um dentro do outro. E tudo absorve a luz opaca que atravessa o teto de vigas. De Vilanova Artigas com Carlos Cascaldi (VINCENZO SCARPELLINI)

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

E stá prestes a ser lançada uma rádio de vanguarda -comercialmente inviável- apenas para os frequentadores da galeria Ouro Fino.
A rádio faz parte de uma ofensiva de marketing para solidificar a imagem daquele espaço, encravado na rua Augusta, como um laboratório da moda underground -território para um tipo de jovem que detesta grifes globalizadas e não pode ver nem sentir o cheiro da praça de alimentação de um shopping center. Planejam-se shows e desfiles semanais para exibir tendências. "É a luta do velho contra o novo", anuncia Beto Lago, presidente da Associação de Lojistas da Galeria Ouro Fino.
Como a matéria-prima desse laboratório é a noite -o mundo das baladas-, a galeria Ouro Fino consegue ser o único condomínio comercial da cidade que consegue prosperar (e bem) com muitas de suas lojas fechadas de manhã.
O agito revela um dos mais extraordinários casos de recuperação urbana de São Paulo. A galeria Ouro Fino acompanhou a decadência da Augusta e parecia condenada irremediavelmente ao abandono. Atraída pelo baixo preço dos aluguéis, Gilza Magaly inaugurou, em meados da década de 90, um brechó chamado Passado Presente. "Ninguém interessante passava mais por aqui", conta Gilza, que, na adolescência, se deleitava com a sensualidade efervescente que desfilava pela rua Augusta.
Gilza abriu caminho para os expositores do Mercado Mundo Mix, à procura de um ponto fixo para mostrar suas criações, mas sem dinheiro. "Sair de uma feira para uma loja no shopping seria suicídio", conta Beto Lago, um dos idealizadores do Mundo Mix, que também levou seu escritório para a galeria Ouro Fino.
Rumou para lá o que a jornalista Erika Palomino, a melhor antena do estilo alternativo, define como o núcleo da inteligência underground da cidade, gente conectada, em tempo real, com Londres e Nova York: empresários de festas descoladas, um cabeleireiro clubber, lojas de piercing. Virou ponto de encontro dos DJs que vasculham lojas de discos de vinil.
O nome da loja de Gilza acabou se transformando num vaticínio, ela que só se lembrava de coisas interessantes no passado -a efervescência dos bons tempos, pelo menos naquela ilha de modernidade da Augusta, veio para o presente.


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