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MOACYR SCLIAR
O segredo do ursinho de pelúcia
Quando eu o abraçava, era a minha mãezinha que eu estava abraçando. Era como se mamãe estivesse ali
A polícia da Colômbia apreendeu em um
aeroporto 60 quilos de cocaína escondidos em brinquedos infantis que seriam
enviados à Espanha, informaram nesta
segunda-feira fontes oficiais. Folha Online, 14 de agosto
DE INÍCIO, o homem responsável pela carga que seria enviada à Espanha manteve-se
firme. Até troçou dos policiais que o
interrogavam: eu acho que vocês
não estão atrás de cocaína, disse,
acho que vocês estão atrás de brinquedos para se divertirem nas horas
vagas. E realmente os agentes da lei
estavam desconcertados. Tinham
recebido a denúncia de que o homem se preparava para despachar
uma grande quantidade de cocaína
por avião, mas não conseguiam encontrar a droga na bagagem. Já haviam extraído o fundo da mala, removido saltos de sapatos, examinado objetos de higiene. Nada.
Mas aí
um dos policiais avistou um pequeno bornal que, por alguma razão, escapara à revista. Perguntaram ao
homem se o bornal era dele. Ele hesitou e disse que sim, que o bornal
era seu. Um dos policiais abriu-o e
extraiu dali um único objeto, um ursinho de pelúcia. A reação do homem foi extraordinária. Com um
salto felino, conseguiu arrebatar o
ursinho, que apertou contra o peito:
- Por favor, não mexam nisto.
Prendam-me, matem-me, mas não
mexam neste ursinho de pelúcia.
Espantados, e, claro, desconfiados, os policiais quiseram saber a razão pela qual não podiam examinar
o brinquedo. O homem começou a
chorar. Chorou longamente. Por
fim, ainda soluçando, contou:
- Este ursinho, como vocês podem
ver, é bem antigo. Tem quase a minha idade. Ganhei-o de minha mãe
no dia em que completei um ano de
idade. Logo depois ela faleceu. O ursinho ficou sendo para mim a própria imagem de mamãe, vocês entendem? Quando eu o abraçava, era
a minha mãezinha que eu estava
abraçando. Eu ia para a cama com
ele, e era como se mamãe estivesse
ali, a meu lado.
Assoou-se ruidosamente e continuou:
- O tempo passou, tornei-me adulto, mas nunca abandonei o meu querido ursinho. Quando casei, passei a
colocá-lo em nossa cama. Minha
mulher não gostava disso, claro. Brigávamos seguidamente e acabamos
nos separando. Ela foi para a Espanha, levando nossa filha de cinco
anos. Ela... Oh, Deus.
Por um instante calou-se, emocionado. E aí continuou:
- Minha filha ficou doente. Muito
doente. Tem uma enfermidade grave, provavelmente mortal, segundo
os médicos. Na semana passada ela
me telefonou: tinha um pedido a me
fazer. Queria que eu lhe levasse o ursinho, para que pudesse colocá-lo
em sua cama, no hospital. "Tenho
certeza de que com isso vou melhorar", disse. E é por isso que estou
mandando o urso de pelúcia para a
Espanha. Para atender o que pode
ser o último desejo de minha filha.
Neste momento, entrava um
policial trazendo um cão farejador.
O animal correu para o ursinho. Que
os policiais abriram e que estava
cheio de envelopes plásticos com
cocaína.
Cocaína, ia dizer o homem, é a
única coisa que me leva de volta à
infância. Não chegou, porém, a abrir
a boca. Porque de um canto escuro,
fitava-lhe, debochado, o garoto
mentiroso que um dia ele fora. E que
segurava no colo um ursinho de
pelúcia.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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