São Paulo, quinta-feira, 04 de setembro de 2008

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entrevista

"Tortura é um problema cultural", diz sociólogo

DA REPORTAGEM LOCAL

O sociólogo Ignacio Cano diz que o maior sintoma de que a tortura se tornou natural no país é que só há escândalo quando a vítima é inocente. Professor da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), na qual integra o Laboratório de Análise de Violência, ele diz que "a polícia no Brasil tortura como parte do seu trabalho desde que foi criada, no começo do século 19". Nascido na Espanha, Cano, 46, diz, porém, que é possível prevenir esse crime.

 

FOLHA - Dá para prevenir a tortura, como manda a ONU?
IGNACIO CANO
- Além de ser um problema legal, a tortura é um problema cultural. Sofremos uma naturalização da cultura por parte dos executores, da opinião pública e até das vítimas.

FOLHA - Por que a tortura se tornou normal no Brasil?
CANO
- Historicamente, a tortura sempre foi um mecanismo de controle das camadas populares. As primeiras polícias no Brasil foram criadas para diversas missões, entre elas a de açoitar os escravos que fugiam. A polícia no Brasil tortura como parte do seu trabalho desde que foi criada no começo do século 19. Tortura no Brasil só é escândalo quando aplicada contra inocentes. Só vira escândalo quando atinge o alvo errado.

FOLHA - Por que a vítima de tortura aceita essa prática?
CANO
- Nas prisões já entrevistei presos que dizem assim: "Apanhei tal dia, mas tinha tentado fugir". A violência faz parte do jogo e as vítimas aceitam isso. Eles só não aceitam quando há violência gratuita, quando acham que não fizeram nada para merecer. Os agentes do Estado também acham normal torturar. Em diversos Estados encontramos cacetetes com a inscrição "direitos humanos". É um problema cultural. Não vamos conseguir desterrar a tortura só com legislação penal, que é indispensável, mas não suficiente.

FOLHA - Como se desmonta o aspecto cultural da tortura?
CANO
- Tem de fazer curso na academia de polícia e melhorar o controle interno e externo da polícia. As ações das corregedorias são pífias não só com a tortura, mas com a corrupção. Tem de treinar promotores e fazer curso para juízes mostrando a legislação internacional. Isso ajuda a evitar o que muito promotor faz: enquadra a tortura como lesão dolosa para evitar usar o termo e aí não dá para tipificar o crime.

FOLHA - Os promotores são coniventes com a tortura?
CANO
- Muitas vezes sim. Nos últimos anos houve uma melhora, com capacitação de alguns promotores. A lei que pune a tortura foi criada em 1997 e o uso dela foi pífio.

FOLHA - São Paulo tem um governo social-democrata. O sr. acha que, com essa orientação política, a administração combate a tortura ou é omisso?
CANO
- O governo que premiava os policiais que matavam no Rio era social-democrata, PSDB; foi o governo de Marcello Alencar. Essa coisa do olhar ideológico não costuma funcionar em segurança pública no Brasil. Tortura é um crime bárbaro, hediondo, contra a humanidade. A execução sumária e a tortura deveriam ser uma prioridade nacional, mas não são -nem do governo federal nem dos governos estaduais. (MCC)


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