São Paulo, quinta-feira, 04 de setembro de 2008

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SP expulsou só 6 policiais por tortura desde 2003

Número equivale a 0,2% dos 2.544 policiais expulsos em todo o Estado até 2008

Foram cinco demitidos pela Polícia Civil e um pela PM; para socióloga Alba Zaluar, principal motor da prática de tortura é a impunidade


MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Números da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo mostram que a tortura é um crime sem punição no Estado. Só 0,2% -ou exatos seis policiais- dos 2.544 expulsos entre 2003 e 2008 receberam a chancela de "tortura" no processo de exclusão.
Entre os policiais civis, só cinco dos 697 demitidos foram acusados de tortura nesse período. O número corresponde a 0,7% dos casos. Em três anos seguidos (2005 a 2007), não houve nenhum afastamento sob acusação de tortura.
Na Polícia Militar, os dados sob o ponto de vista da impunidade são piores. Entre os 1.847 casos de expulsão nos seis anos, só um segundo-tenente foi acusado de tortura.
A assessoria da secretaria diz que o caso único da PM não retrata a realidade. A regra da PM é expulsar por violação de normas; por isso, os casos não são contabilizados como tortura.
A socióloga Alba Zaluar, uma das principais pesquisadoras de violência no país, acha que a impunidade é o principal motor da prática de tortura. "Tortura tem de ser crime hediondo, e os torturadores têm de pagar. É uma vergonha para o país que não se puna a tortura dentro da polícia como se deveria."
Na esfera federal, nem dá para saber quantos são os casos de tortura punidos no país. A Secretaria Especial de Direitos Humanos iniciou um levantamento, pedindo dados ao Ministério Público dos Estados. Após três depois, constatou que aquele não era o melhor método porque os números não eram enviados.
A secretaria deve contratar uma instituição universitária para levantar os casos de punição por tortura, prevista em lei aprovada em 1997.
O sistema de informação do Ministério da Justiça confirma que ninguém dá muita bola para a tortura nas secretarias da Segurança dos Estados.
O governo incluiu os casos de tortura no Infoseg justamente para saber se a lei havia pegado. O dado foi retirado por inconsistência -só um Estado informou que lá havia uma única acusação de tortura. A inexistência do dado estatístico é o melhor indicador do peso que a tortura tem para as secretarias.
Pedro Montenegro, coordenador do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura da Secretaria Especial de Direitos Humanos, diz que o governo estuda formas de induzir os Estados a atacar a prática.
Uma das idéias é condicionar o repasse de verbas para o sistema penitenciário e para a segurança à aplicação de normas recomendas pela ONU (Organização das Nações Unidas).
O Brasil é signatário desde 1989 de convenção internacional que prevê a aplicação de políticas para prevenir a tortura.
Outra idéia é a criação de uma unidade móvel contra a tortura. O modelo são as unidades de combate ao trabalho escravo, consideradas um sucesso na secretaria. Esse grupo faria blitze de surpresa em presídios, quartéis e unidades de internação de menores. A principal dúvida é se os Estados vão tolerar esse tipo de vistoria.
Montenegro diz que o problema nessa área não é a falta de leis, mas o preconceito dos aplicadores da lei. "Os juízes e os promotores menosprezam a palavra do preso que se diz torturado. Isso é um erro brutal. Não tem que duvidar nem acreditar no preso. Tem de investigar o que o preso diz."


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