São Paulo, quinta-feira, 04 de setembro de 2008

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PASQUALE CIPRO NETO

Quantas são as feias da festa?


Quando se trata de restrição ou generalização por meio de uma oração iniciada pelo relativo "que", a coisa...

O MAIS RECENTE vestibular da FGV (Fundação Getulio Vargas) apresentou uma questão relativa ao emprego da vírgula antes do pronome relativo "que". A banca pediu aos candidatos que comparassem as seguintes construções, "observando sua pontuação":
"Nesta festa, só beijarei as meninas, que são feias"; "Nesta festa, só beijarei as meninas que são feias".
Em seguida, a banca pedia aos candidatos que assinalassem "a alternativa correta quanto ao sentido dessas frases". Eis as alternativas:
"a) A primeira afirma que todas as meninas da festa são feias -e serão beijadas; b) A primeira afirma que somente as meninas feias serão beijadas; as bonitas não; c) A segunda afirma que todas as meninas da festa são feias -e serão beijadas; d) A segunda afirma que somente as meninas bonitas serão beijadas; as feias não; e) As duas frases afirmam que as meninas bonitas serão beijadas".
A esta altura, o leitor talvez esteja atordoado com tantas exclusões e generalizações (todas serão beijadas; só as bonitas, só as feias...). Peço-lhe um pouco de calma e paciência e, por enquanto, um certo "desprezo" pela seqüência de opções.
Apesar de reproduzirem algo um tanto inverossímil (é pouco provável que alguém diga ou escreva a segunda frase; parece mais natural imaginar que se diga "Só beijarei as meninas feias" ou "Só beijarei as feias"), o fato é que há por trás de tudo isso uma velha conversa: "Quando se restringe, não se virgula; quando se generaliza, virgula-se". Grosso modo, é assim mesmo. Quem lê uma frase como "Trabalharei apenas com as meninas rebeldes", por exemplo, provavelmente entenda de imediato que: a) em determinado grupo algumas meninas são rebeldes e outras são "conformistas"; b) trabalharei só com as rebeldes.
No caso visto, o adjetivo "rebelde" tem papel restritivo, por isso não é separado por vírgula do substantivo que qualifica. Seguindo a mesma linha que norteou a banca da FGV, compare agora estas frases: "Os deputados extenuados deixaram o plenário"; "Os deputados, extenuados, deixaram o plenário".
E então? Que percebe o leitor?
Que foi realizada uma extenuante sessão do Parlamento -durou horas e horas a tal sessão. No primeiro caso (sem as vírgulas), informa-se que deixaram o plenário os deputados extenuados; os que ainda tinham energia permaneceram. No segundo caso (com "extenuados" entre vírgulas), informa-se que todos os deputados de que se falava deixaram o plenário extenuados.
Quando se trata de restrição ou generalização por meio de uma oração iniciada pelo relativo "que", a coisa funciona(ria) do mesmo modo, mas... Mas o fato é que, talvez por exigir conhecimento um tanto específico, o emprego da vírgula antes da oração explicativa (aquela que generaliza) nem sempre é observado. O resultado disso é que muitas vezes se lê algo como "Os jogadores que desconhecem as regras receberão instruções de árbitros da Fifa" no lugar de "Os jogadores, que desconhecem as regras, receberão instruções de...".
A primeira frase informa que só os jogadores que desconhecem as regras receberão as instruções; a segunda informa que todos os jogadores de que se fala desconhecem as regras e receberão as instruções. Sim, já sei: falta a resposta do teste da FGV. Acho que você já sabe, não? Vamos lá: é "a", certo? É isso.
inculta@uol.com.br


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