São Paulo, quarta-feira, 04 de outubro de 2000

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ESCRAVIDÃO
Dez lavradores dizem ter trabalhado sem receber salário e sofrido ameaças de morte de fazendeiro brasileiro
Gaúchos fogem de fazenda na Venezuela

ANDRÉA DE LIMA
DA AGÊNCIA FOLHA

Dez lavradores gaúchos fugiram de uma fazenda na Venezuela, onde trabalhavam sem receber salário. Eles relataram maus-tratos, falta de alimentação e ameaças de morte. A fuga deles ocorreu na última quarta-feira à noite.
Depois de andar 50 quilômetros pelo meio das lavouras de milho e feijão, e sob guarida de fazendeiros venezuelanos, o grupo foi recebido pelo vice-cônsul do Brasil em Puerto Ordaz (Venezuela), que os enviou de ônibus até Boa Vista (RR). Outros três brasileiros permanecem na fazenda.
Desde sexta-feira, os agricultores são mantidos num abrigo em um estádio, na capital de Roraima, sob proteção da Polícia Federal. "Não podemos revelar o local, já que eles estão sofrendo ameaças por parte do fazendeiro que os contratou no Rio Grande do Sul", disse o secretário-executivo da Defesa Civil estadual, capitão Kleber Gomes.
A Corregedoria Regional da Polícia Federal está analisando o caso e vai decidir pela abertura ou não de um inquérito para apurar as denúncias de cárcere privado e trabalho escravo.
Anteontem, os dez lavradores prestaram depoimento na superintendência da PF em Boa Vista.
"Como o caso envolve brasileiros no exterior, nosso departamento jurídico vai analisar as atribuições de investigação", afirmou o superintendente interino da PF, Dolival Corrêa.
A oferta pelo trabalho na lavoura de milho, na fazenda Los Flanerrone, em El Tigre (Venezuela), era de um salário de US$ 420 por mês para cada um. O gaúcho Carlos Santana, 34, de Ijuí, disse que trabalhou na fazenda um ano e meio e não recebeu nada.
Ele afirmou que a jornada de trabalho era de 18 horas diárias. Como não recebia salário e a comida estava racionada, pediu demissão no último dia 15.
Ele disse ter sido ameaçado de morte, com arma de fogo, pelo fazendeiro e pelo filho dele, que também são gaúchos.
Ele viajou para a Venezuela de ônibus em companhia da mulher e de dois filhos, uma garota de 16 anos e um menino de 11. Também viajaram outras nove pessoas, das cidades gaúchas de Ijuí, Jóia e Augusto Pestana.
A família de Carlos dividia um alojamento na fazenda com outras nove pessoas. As mulheres trabalhavam na sede da propriedade. Eram responsáveis pela limpeza e cozinha. Por isso, receberam proposta salarial mensal de US$ 180, mas dizem que nunca foram pagas.
Segundo Carlos, outros três brasileiros permaneceram na fazenda. "Os patrões diziam que quem estivesse descontente podia ir embora, a pé, sem direito a nada. Então fugimos."
O chefe da Casa Civil do governo do Rio Grande do Sul, Gustavo de Mello, afirmou que foi informado do caso.
"Já solicitei a lista com os nomes dos integrantes do grupo e uma declaração de que eles desejam retornar às suas cidades de origem, para poder tomar providências", afirmou.
O cônsul venezuelano em Roraima, Luis Medina, disse que conversou com os lavradores. "Pedi informações às autoridades brasileiras para encaminhar esses dados aos ministérios da Justiça, de meu país, e das Relações Exteriores, em Brasília."
Segundo ele, a fazenda de mil hectares foi arrendada pelo brasileiro Eguimar Strohschein. Ele não soube informar se haveria telefone na fazenda.



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