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INCULTA & BELA
"O que lhes convêm"
PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha
Pense nestas frases: "São nessas horas que se vê quem é
quem"; "São para essas pessoas
que o novo governo deve trabalhar". Que tal?
Estão erradas as duas formas
"são", que deveriam ser trocadas por "é": "É nessas horas
que se vê..."; "É para essas pessoas que o novo governo...".
Nos dois casos, certamente
houve influência dos plurais
próximos ("nessas horas" e "essas pessoas", respectivamente)
na opção -errada- pelo verbo no plural ("são").
Vale a pena lembrar que nas
duas frases existe a expressão
expletiva (enfática, de realce)
"é que", invariável, como a que
ocorre na letra de uma conhecida canção popular: "Só nós
dois é que sabemos o quanto
nos queremos bem".
Nesses casos, pode-se eliminar a expressão "é que", sem
prejuízo para a estrutura básica da frase: "Só nós dois sabemos..."; "Nessas horas se vê
quem é quem"; "O novo governo deve trabalhar para essas
pessoas".
Existe um fenômeno em língua chamado "ultracorreção"
(ou "hipercorreção", ou ainda
"hiperurbanismo"), que nada
mais é do que a "preocupação
de falar bem que redunda em
erro", como define o "Aurélio".
Um dos casos mais comuns
de ultracorreção é justamente
o emprego do plural no lugar
do singular, de que são exemplos clássicos os verbos "haver"
e "fazer": "Os acidentes que
houveram" (em vez de "Os acidentes que houve"), "Já fazem
vinte anos que não vou lá" (em
vez de "Já faz vinte anos que
não vou lá").
Na última sexta-feira, um
subtítulo da Folha foi fruto da
mesma arapuca: "Para bispos,
meios de comunicação estão
exaltando o que lhes convêm".
Os vários plurais próximos
("bispos", "meios", "estão" e,
sobretudo, "lhes") geraram forte comichão pelo plural, expresso em "convêm".
Convém lembrar que, no presente do indicativo dos verbos
derivados de "vir" ("convir",
"provir", "intervir", entre outros), o circunflexo indica o
plural; o agudo, o singular: ele
convém, eles convêm.
Na frase do jornal, o verbo
deveria ter ficado no singular,
já que se refere ao pronome
"o", equivalente a "aquilo": o
(aquilo) que lhes cabe, o (aquilo) que lhes falta, o (aquilo)
que lhes resta, o (aquilo) que
lhes interessa, o (aquilo) que
lhes convém. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail: inculta@uol.com.br
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