São Paulo, sábado, 04 de novembro de 2006

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Para FAB, ministro incentivou anarquia

Aeronáutica acusa Waldir Pires (Defesa) de abrir um "grave precedente" ao negociar com liderança dos controladores de vôo

Área militar cogitou a renúncia do comandante Bueno; ministro afirma que negociações são essenciais em regimes democráticos


Fernando Donasci/Folha Imagem
Avião da TAM pousa no aeroporto de Congonhas, na zona sul de São Paulo, que ontem teve movimento praticamente normal


ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega ao fim da primeira semana depois da reeleição em meio a uma inesperada crise militar, aberta pelo caos nos aeroportos. A Aeronáutica acusa o Ministério da Defesa de "incentivar a anarquia" e de abrir um "grave precedente" ao negociar com os sargentos que lideram o movimento dos controladores de vôo.
Na área militar, temia-se ontem que o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Luiz Carlos Bueno, adotasse uma "atitude drástica", como renunciar ao cargo por discordar de negociações políticas entre autoridades e sargentos e por se sentir desautorizado pela área civil do governo, especialmente a Defesa.
Bueno não confirmava a expectativa, mas teve inúmeras reuniões e conversas com subordinados para definir o que fazer. Uma possibilidade seria punir exemplarmente os líderes militares do movimento, que estão inclusive filiados a uma associação de controladores de vôo -o estatuto militar proíbe esse tipo de filiação.
O governo está dividido quanto à posição que deve adotar diante dos manifestantes, que exigem a desmilitarização do setor, com plano de carreira civil, aumento de salário e melhores condições de trabalho.
O ministro da Defesa, Waldir Pires, informou ontem que vai nomear um grupo de trabalho para discutir como proceder a desmilitarização e aventou a hipótese de criar uma diretoria ou superintendência específica para o novo formato do controle do tráfego aéreo civil, desvinculado do sistema de defesa militar aérea.
Pires e o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, negociam nos moldes sindicais, enquanto o Comando da Aeronáutica se sente desautorizado e diz que militares não fazem greve nem operação-padrão.
Até a quarta-feira, eles próprios insistiam que não havia conotação política no movimento. Com o "apagão" da madrugada de quinta, que parou o sistema, mudaram o discurso e endureceram o tom.
O temor militar é que, ao tentar resolver o caos dos aeroportos, Pires e Marinho provoquem duas reações em cadeia, começando pela área de controle de tráfego aéreo e atingindo depois a própria organização militar.
A primeira reação é que, ao atender à reivindicação dos 2.112 militares e 571 civis que exercem a função de controladores de vôo, estimulassem uma pressão de todos os quadros do setor de controle de tráfego aéreo, que engloba 10.327 pessoas das áreas de engenharia, comunicações, informática, aviação, entre outras.
A segunda reação é que, se o governo ceder às pressões e ameaças dos sargentos do setor, estará minando o cerne da instituição militar, que são a hierarquia e a disciplina, estimulando patentes mais baixas da Aeronáutica, da Marinha e do Exército a também organizarem manifestações.
O ministro Waldir Pires, porém, diz que negociações são essenciais em regimes democráticos e questiona: "Qual a alternativa? O que eles [os militares] queriam que fizéssemos? Que deixássemos as coisas como estavam?"
Ontem, o comandante Bueno telefonou para Pires, que não tinha respondido até o início da noite sob o pretexto de que tinha ido ao anexo do Palácio do Planalto conversar com seu antecessor na pasta, o vice-presidente da República, José Alencar. Pires ligou de volta por volta das 19h30, num tom descrito como "ameno, amistoso".
O chefe do Estado-Maior da Defesa, brigadeiro José Américo, foi chamado à noite ao gabinete do ministro. Como é da Força Aérea, havia a expectativa de que fosse convidado a atuar como intermediário entre o Comando e o Ministério.
Um dos motivos de aborrecimento do comandante da Aeronáutica foram as reuniões de Pires com sargentos, sem a sua presença.
Pires, porém, explicou ontem que o próprio brigadeiro Bueno o havia incentivado a manter o encontro, além de contar um detalhe: os dois sargentos chegaram ao ministério, na quarta-feira, num carro da Força Aérea.
Segundo Pires, a participação de Marinho nas conversas, conferindo um caráter sindical às negociações, foi uma "sugestão" do presidente Lula.


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