São Paulo, quarta-feira, 04 de dezembro de 2002

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SAÚDE

Possível indicação de Jatene para ministério é criticada

Grupos querem que o novo governo priorize a descentralização de ações

FABIANE LEITE
AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Às vésperas do anúncio do nome que comandará o Ministério da Saúde, médicos, sanitaristas, pesquisadores, militantes e políticos da esquerda se movimentam para que as teses do SUS, especialmente a descentralização e municipalização, prevaleçam no novo governo petista.
O SUS (Sistema Único de Saúde), criado na Constituição de 88, estabelece a municipalização dos serviços, com os Estados agindo complementarmente e a coordenação das políticas pelo Ministério da Saúde.
Para os vários sanitaristas ouvidos pela Folha, a implantação do sistema vem sofrendo pela lentidão e por desvios patrocinados por todos os últimos ministros da Saúde. Um deles é o "campanhismo" e a fragmentação de programas, como a destinação de recursos a campanhas de catarata, varizes, hérnias, prevenção do câncer, entre outras ações. "Foram criadas mais de 80 formas de repassar dinheiro ao municípios", diz o médico Gilson Carvalho, especialista em saúde pública que foi secretário nacional da Assistência à Saúde durante o governo de Itamar Franco.
A criar tantos mecanismos de repasse, o ministro da Saúde mantém as rédeas de todo o sistema, justamente o contrário do que prega o SUS.
"As pessoas adoecem e buscam atendimento no município, o processo saúde-doença e a prevenção ocorrem onde as pessoas vivem e trabalham. Temos de inverter a lógica secular da estrutura ministerial centralizada de "ditar as normas" para serem cumpridas pelos Estados e municípios", afirma um manifesto assinado por mais de setenta gestores municipais de saúde, políticos, trabalhadores, docentes da área e pesquisadores. O documento é encabeçado pela secretária da Saúde de Amparo, Aparecida Pimenta, e foi entregue à equipe de transição.
Membros de universidades, servidores públicos e políticos reunidos no Cedec (Centro de Estudos de Cultura Contemporânea), de São Paulo, também fecharam um documento recentemente em que, além de defenderem o fim da fragmentação, sugerem a aprimoração de mecanismos de avaliação dos programas do ministério, a busca de mais recursos (como o fim da renúncia fiscal para os planos de saúde), além do repasse de verba segundo critérios demográficos.
A principal preocupação de alguns dos sanitaristas é a de que o nome indicado para o ministério puxe o freio da implantação do SUS, seguindo a tendência dos ministros anteriores.
O Ministério da Saúde é uma pasta importante para o PT porque será vitrine de comparação com o governo tucano, alerta o documento elaborado no Cedec. O ex-ministro da Saúde José Serra usou a saúde como sua bandeira na campanha eleitoral deste ano.
A discussão sobre nomes para a pasta já foi tema em pelo menos dois encontros, um de militantes do setor de saúde bucal, em São Paulo, no fim de novembro, e o outro, no Rio, do conselho político da Abrasco, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva.
Entre os nomes cotados do lado petista e aliados de esquerda estão os secretários municipais Eduardo Jorge, de São Paulo, e Gastão Wagner, de Campinas; o estadual do Rio de Janeiro, Leôncio Feitosa, além de Humberto Costa, que coordena a área de saúde na equipe de transição.
A preocupação é o nome do cirurgião Adib Jatene, ex-ministro da Saúde nos governos Collor e Fernando Henrique. Apontado como o preferido de Lula, Jatene pregou, em vários momentos, o que os sanitaristas petistas chamam de "desvios graves": ele defende o pagamento dos serviços de saúde por parte daqueles que podem -acabando com a universalidade do SUS-, e o atendimento de pacientes privados em espaços públicos, prática que implantou no Instituto do Coração.
"Parece-nos necessário, sobretudo, afirmar nossa desaprovação enfática à tese de "aproveitar" no ministério de Lula algum ex-ministro de Collor", diz o texto aprovado em novembro por mais de 50 militantes da saúde bucal.
Procurado, Jatene disse que o "momento é de ficar calado".

Planos de saúde
Qualquer nome comprometido com o SUS que vier a assumir deverá desmontar a ANS, Agência Nacional de Saúde Suplementar, incorporando-a ao Ministério da Saúde, prevêem os sanitaristas. Criada para se ocupar dos planos e seguros de saúde, a ANS legisla com um amontoado de portarias e não trata dos planos coletivos -que representam 70% dos quase 40 milhões de brasileiros atendidos por esse sistema.
"Os planos de saúde deverão ser regidos dentro da lógica do SUS", diz Mário Scheffer, representante dos usuários no Conselho Nacional de Saúde.


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