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DEBATE FOLHA VIOLÊNCIA
Maior problema do Rio está nas armas, e não nas drogas
PARA ESPECIALISTAS, UPP É UM PROJETO BOM, MAS TOCADO POR UMA POLÍCIA INEFICIENTE, QUE TERIA QUE SER REFUNDADA
DO RIO
O problema brasileiro não
são as drogas, mas armas. As
UPP (Unidades de Polícia Pacificadora) mudam a rotina
de comunidades, mas simbolizam um projeto bom tocado
por uma polícia ruim, ineficiente e vinculada ao crime.
Além de liberar moradores
do controle do tráfico, o Estado precisa dar infraestrutura
e cidadania para evitar que o
projeto se desgaste. O apoio
da mídia não pode mascarar
as deficiências da polícia,
que precisa ser refundada.
Essa é a síntese do debate
promovido anteontem pela
Folha no Cine Glória, no Rio.
Participaram o antropólogo Luiz Eduardo Soares, o
consultor de segurança, comentarista de TV e ex-capitão do Bope Rodrigo Pimentel, o deputado estadual
Marcelo Freixo (PSOL) e o cineasta José Padilha, sob a
mediação da repórter especial Claudia Antunes.
Soares e Pimentel estão
entre os autores de dois volumes de "Elite da Tropa", livros que nortearam Padilha
nas filmagens de "Tropa de
Elite" 1 e 2.
Leia, a seguir, trechos do
debate.
UPPs
As UPPs são "um excelente
projeto", mas que precisa ser
complementado, disse Luiz
Eduardo Soares.
"O problema é a transposição de um projeto-piloto para uma política pública, para
que tenha escala. Se isso se
fizer, em meio à degradação
policial, a UPP não prospera,
não se sustenta. Para que
possa prosperar, as polícias
têm de ser transformadas."
O antropólogo apontou que,
no Rio, a polícia e o crime são
indistinguíveis. "Claro que
temos policiais honestos, arriscando sua vida por salários indignos, verdadeiros
heróis. Mas são obrigados a
conviver com criminosos."
"Não há criminalidade organizada importante no Rio de
Janeiro, inclusive o tráfico,
sem a aliança, parceria, seja
por omissão, cumplicidade e
depois participação protagonística, das polícias."
Para Soares, a contratação de
novos policiais para as UPPs
é a confirmação pelo poder
público de que eles não podem contar com as polícias
para um projeto inovador, de
respeito aos direitos humanos, de valorização da comunidade num serviço congruente com as determinações constitucionais.
José Padilha levantou o que
chamou de "paradoxo".
"O projeto da UPP não é da
polícia, é do governo. A polícia ficou 30 anos convivendo
com o tráfico. A organização
policial não fez o projeto das
UPPs. O que temos aqui é o
governo empurrando uma
polícia ruim para fazer um
projeto que é bom", afirmou.
Marcelo Freixo disse que o
mapa de instalação das UPPs
é revelador de seu projeto. "É
o corredor hoteleiro, a zona
portuária, o entorno do Maracanã e a Cidade de Deus,
único lugar em Jacarepaguá
[zona oeste] que não está na
mão da milícia."
"Não é possível alguém dizer
que é coincidência. É um projeto de cidade. É a retomada
de territórios que estão em
lugares estratégicos para
grandes investimentos."
Freixo expôs sua preocupação a partir do exemplo de
duas comunidades com UPP
que visitou, o Chapéu Mangueira e a Babilônia, ambas
no Leme, zona sul do Rio.
"Quem garante que daqui
a dez anos esses moradores
que construíram aquela comunidade, que são referências históricas e culturais,
vão estar mantidos ali?"
"Ficam em um dos lugares
mais valorizados do Rio, com
uma das vistas mais lindas
que já vi. Qual é a política pública que será desenvolvida
para que eles consigam ficar
ali e resistam a tudo que vai
acontecer com a não permanência do varejo da droga?"
Rodrigo Pimentel exemplificou os efeitos da implantação da UPP. "Na Cidade de
Deus, a UPP prende uma pessoa por dia por tráfico. Antes
da UPP, eram cinco ou seis
por mês para uma população
de 65 mil habitantes. Agora
está um ano sem homicídios.
É muito mais impactante."
Refundar a polícia
Luiz Eduardo Soares declarou que o desafio é mudar a
polícia. "As investigações
que apontam policiais individualmente pela responsabilidade de brutalidades e por
corrupção são equivocadas e
injustas. Evidentemente, todo indivíduo é responsável
por suas práticas."
"Estamos diante de um problema político, institucional,
que tem seu padrão de funcionamento", afirmou o ex-subsecretário de Segurança
do Estado do Rio.
"Você tem de contratar [no
caso das UPPs] e promover
toda uma qualificação específica porque não há repasse
para a instituição. A instituição não é confiável, está degradada", disse Soares.
"Podemos continuar assim,
só contratando policiais?
Precisamos usar a polícia,
valorizá-la, para que comece
a responder a um processo
de governança democrático.
No Rio, essas mudanças significam refundação", afirmou.
A operação
Ao comentar as acusações de
violência, roubo e furtos por
policiais na ocupação do
Complexo do Alemão, Marcelo Freixo disse que se aceita que a polícia aja no local
de um modo que seria impensável em Ipanema, bairro
nobre da zona sul carioca.
"A gente acha normal que a
dignidade no Rio tenha CEP.
A gente acha naturais coisas
completamente absurdas.
Coisas que seriam inadmissíveis em qualquer lugar. Como se aquela população tivesse responsabilidade pela
barbárie que ela viveu mais
do que ninguém."
"Quem era a principal vítima
do tráfico no Alemão? Nós?
Não, eles. O respeito deveria
ser muito maior a eles."
Rodrigo Pimentel relatou o
que sentiu quando viu as
imagens de traficantes fugindo no alto do morro.
"Muita gente se perguntou
por que a polícia não deu tiro
em todo mundo e matou
aqueles 200. Confesso que
era o meu desejo. Não tenho
a menor vergonha de dizer
que gostaria que eles morressem. Era uma situação de beligerância, de guerra."
Drogas e armas
Luiz Eduardo Soares disse
ser "absolutamente fundamental" distinguir armas e
drogas. "No negócio da droga ilícita, eu sou antiproibicionista. Sou a favor da legalização das drogas."
"Se nós separarmos drogas e
armas, talvez consigamos fazer o fundamental, que é salvar vidas. Porque as armas
são a principal responsável
por essa violência letal, todos
nós sabemos. No Brasil, não
há controle das armas ilegais. O nosso problema não
são as drogas."
Mídia e abusos
Como comentarista de segurança da Rede Globo, Pimentel ficou 34 horas no ar em
cinco dias. "Talvez eu seja
um pouco responsável por
essa onda otimista, mas é difícil esconder o entusiasmo."
"Quem conhece o Complexo
do Alemão e sabe o quanto
aquilo gera de violência sabe
que a operação foi um divisor
de águas", afirmou.
Pimentel contou um episódio: "Quando terminou a
operação, a gente disse lá na
Rede Globo: vai ter UPP no
Alemão. Recebemos um contato do governo do Estado dizendo isso, mas o secretário
de Segurança nos desmentiu. "Não é meu planejamento
neste momento", ele disse.
"Nós insistimos porque a sociedade do Rio não admite
mais uma operação policial
desacompanhada de UPP. À
noite, o governador disse:
"Vai ter UPP no Alemão"."
Padilha aparteou Pimentel
para afirmar: "Você resumiu
o que está acontecendo: a Rede Globo falou que iria ter
UPP no Alemão, o [secretário] Beltrame falou que não e
aí o governador fez o que a
Rede Globo falou para ele fazer: UPP no Alemão."
"É o "Diário Oficial" antecipado", emendou Freixo.
O cineasta retomou: "Por que
tem 50 corregedores no Alemão? Porque tem 50 câmeras. Se não tivesse, não teria
nenhum. Vamos ser realistas. A Globo está empurrando uma polícia ruim para fazer um programa bom."
Contrapondo-se a Pimentel,
Padilha questionou: "Qual é
o papel da imprensa? Mobilizar ou informar? Eu acho que
a imprensa tem de informar:
a UPP é boa para os moradores, melhor que o tráfico, porém a polícia está corrompida, não representa o bem",
declarou.
"Que governo é esse que só
fez UPP por que a Globo falou
para ter? Que só colocou corregedoria depois que a Globo
mostrou?"
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