São Paulo, quinta-feira, 05 de janeiro de 2006

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PASQUALE CIPRO NETO

Sob, sobre, cujo, por que, porque, a nível de...

Na primeira fase de seu vestibular deste ano, a Fuvest pediu aos candidatos que preenchessem "de modo correto" as lacunas do seguinte enunciado: "A televisão tem de ser vista ....... um prisma crítico, principalmente as telenovelas, ....... audiência é significativa. Temos de procurar saber ....... elas prendem tanto os telespectadores".
As opções eram estas: "a) a nível de / as quais a / por que; b) sobre / que / porquê; c) sob / cuja / por que; d) em nível de / cuja a / porque; e) sob / cuja a / porque".
A Fuvest ressuscitou a velha e surrrada expressão "a nível de", que andou na moda durante um bom tempo -em bocas (mais em bocas do que em penas) de diversos calibres. Viveu-se um verdadeiro frenesi de "a nível de", que produziu pérolas como "O jogador sofreu uma contusão a nível de joelho", "Essa questão deve ser decidida a nível de diretoria" etc. (os dois exemplos são reais).
Nessas duas frases, a expressão "a nível de" é tão útil quanto água em pó. Alguém saberia explicar o que pode ser uma contusão "a nível de joelho"? E o que é uma decisão "a nível de diretoria"? Existe decisão "a nível de diretoria" que não seja da própria diretoria? Antes que alguém pergunte, vamos lá: "O jogador sofreu uma contusão no joelho"; "Essa questão deve ser decidida pela diretoria". Simples, não?
Vamos deixar os níveis para lá na primeira lacuna. O que se escolhe, então? "Sobre" ou "sob"? Fiquemos com a segunda preposição, que, como diz o "Houaiss", pode significar "com base em", "a partir de" ("A televisão tem de ser vista sob / com base em / a partir de um prisma crítico...").
Na segunda lacuna, a banca colocou em discussão o emprego do pronome "cujo", que, para muita gente, está em via de extinção. Não é bem assim, em se tratando de linguagem culta formal, em que esse relativo está mais do que vivo. Na frase em questão, fala-se da audiência das novelas, da audiência que é delas, que elas têm. O pronome relativo "cujo" estabelece exatamente esse tipo de relação, por isso seu emprego no enunciado da Fuvest é adequado, desde que não seja seguido de artigo, isto é, desde que não se escreva ou diga "cuja a audiência".
E a terceira lacuna? Vamos de "porque", "porquê" ou "por que"? Os mais afoitos podem achar que, por não haver ponto de interrogação no fim da frase, não cabe "por que". Cabe, sim, caro leitor.
Em casos como esse, a opção por juntar ou separar não depende da presença ou da ausência de ponto de interrogação, mas da existência de uma forma interrogativa, direta ou indireta. Na frase em questão, embora não haja ponto de interrogação, há uma pergunta (indireta). É como se se dissesse o seguinte: "Por que as novelas prendem tanto os telespectadores? Temos de procurar saber (isso)". Vamos lá: "Temos de procurar saber por que ("por que razão", "por que motivo') elas prendem tanto os telespectadores".
Certa vez, eu explicava a um colega de jornal esse bendito problema do "por que" separado em frases como a que vimos. Nada de convencê-lo. Ele só admitia "por que" em perguntas diretas (as que terminam com o ponto de interrogação). Sabe como o convenci? Com a língua inglesa. Quando lhe perguntei se ele usaria "why" ou "because" numa frase dessas... Heureca! Quando viu que usaria "why", ele se convenceu. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br


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