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PASQUALE CIPRO NETO
Sob, sobre, cujo, por que, porque, a nível de...
Na primeira fase de seu
vestibular deste ano, a Fuvest pediu aos candidatos que
preenchessem "de modo correto"
as lacunas do seguinte enunciado: "A televisão tem de ser vista
....... um prisma crítico, principalmente as telenovelas, ....... audiência é significativa. Temos de procurar saber ....... elas prendem
tanto os telespectadores".
As opções eram estas: "a) a nível
de / as quais a / por que; b) sobre /
que / porquê; c) sob / cuja / por
que; d) em nível de / cuja a / porque; e) sob / cuja a / porque".
A Fuvest ressuscitou a velha e
surrrada expressão "a nível de",
que andou na moda durante um
bom tempo -em bocas (mais em
bocas do que em penas) de diversos calibres. Viveu-se um verdadeiro frenesi de "a nível de", que
produziu pérolas como "O jogador sofreu uma contusão a nível
de joelho", "Essa questão deve ser
decidida a nível de diretoria" etc.
(os dois exemplos são reais).
Nessas duas frases, a expressão
"a nível de" é tão útil quanto
água em pó. Alguém saberia explicar o que pode ser uma contusão "a nível de joelho"? E o que é
uma decisão "a nível de diretoria"? Existe decisão "a nível de diretoria" que não seja da própria
diretoria? Antes que alguém pergunte, vamos lá: "O jogador sofreu uma contusão no joelho";
"Essa questão deve ser decidida
pela diretoria". Simples, não?
Vamos deixar os níveis para lá
na primeira lacuna. O que se escolhe, então? "Sobre" ou "sob"?
Fiquemos com a segunda preposição, que, como diz o "Houaiss",
pode significar "com base em", "a
partir de" ("A televisão tem de ser
vista sob / com base em / a partir
de um prisma crítico...").
Na segunda lacuna, a banca colocou em discussão o emprego do
pronome "cujo", que, para muita
gente, está em via de extinção.
Não é bem assim, em se tratando
de linguagem culta formal, em
que esse relativo está mais do que
vivo. Na frase em questão, fala-se
da audiência das novelas, da audiência que é delas, que elas têm.
O pronome relativo "cujo" estabelece exatamente esse tipo de relação, por isso seu emprego no
enunciado da Fuvest é adequado,
desde que não seja seguido de artigo, isto é, desde que não se escreva ou diga "cuja a audiência".
E a terceira lacuna? Vamos de
"porque", "porquê" ou "por que"?
Os mais afoitos podem achar que,
por não haver ponto de interrogação no fim da frase, não cabe "por
que". Cabe, sim, caro leitor.
Em casos como esse, a opção por
juntar ou separar não depende da
presença ou da ausência de ponto
de interrogação, mas da existência de uma forma interrogativa,
direta ou indireta. Na frase em
questão, embora não haja ponto
de interrogação, há uma pergunta (indireta). É como se se dissesse
o seguinte: "Por que as novelas
prendem tanto os telespectadores? Temos de procurar saber (isso)". Vamos lá: "Temos de procurar saber por que ("por que razão",
"por que motivo') elas prendem
tanto os telespectadores".
Certa vez, eu explicava a um colega de jornal esse bendito problema do "por que" separado em
frases como a que vimos. Nada de
convencê-lo. Ele só admitia "por
que" em perguntas diretas (as que
terminam com o ponto de interrogação). Sabe como o convenci?
Com a língua inglesa. Quando lhe
perguntei se ele usaria "why" ou
"because" numa frase dessas...
Heureca! Quando viu que usaria
"why", ele se convenceu. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br
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