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Carros doados por fundo estão parados há 7 meses
Dos 12 veículos, 2 estão em Cruzeiro (SP), cidade natal do ministro da Justiça
Estudo mostra que 86% da verba do fundo de segurança vai para carros e armas e só 7% é usada em projetos inovadores de policiamento
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Vista de Cruzeiro, cidade de
76 mil habitantes no interior de
São Paulo, a Secretaria Nacional de Segurança Pública é um
fracasso. O atestado do fracasso
está no pátio da prefeitura: dois
carros de polícia doados pelo
governo Lula em 28 de junho
do ano passado nunca rodaram.
De nada adiantou Cruzeiro
ser a cidade natal do ministro
Márcio Thomaz Bastos (Justiça), a quem a Secretaria Nacional de Segurança é subordinada. Sete meses depois da doação, os documentos de dois Gol
não chegaram. Outros dez carros de polícia estão parados em
outras cinco cidades paulistas
por razões burocráticas -a
doação para o Estado de São
Paulo não foi acertada.
Cruzeiro é uma caricatura da
maneira como a União distribui verbas em segurança -sobretudo, por causa do prazo.
Mas o tipo de doação não é uma
exceção, segundo levantamento do sociólogo Arthur Costa,
professor da Universidade de
Brasília, e do economista Bruno Grossi, obtido pela Folha.
Ao analisar os recursos distribuídos pelo Fundo Nacional
de Segurança Pública entre
2000 e 2005, a dupla constatou
que carros, armamentos e outros tipos de equipamentos
consumiram 86% dos recursos.
Projetos inovadores de policiamento e capacitação receberam, respectivamente, 7% e 3%
das verbas. Segundo os pesquisadores, foi distribuído R$ 1,74
bilhão nesse período.
Sem mudança
Pesquisa similar feita pela
Secretaria Nacional de Segurança mostra que investimentos que podem alterar a ação da
polícia -como a compra de
equipamentos para escuta telefônica, fundamentais para investigar o crime organizado-
receberam só 0,18% das verbas
federais entre 2000 e 2005.
Armamento não-letal, outro
equipamento que revelaria a
disposição de mudança, só ficou com 0,25% dos recursos.
A primeira conclusão de Arthur Costa é que os governos de
Fernando Henrique Cardoso e
de Lula não mudaram uma lógica de investimentos que vem
da ditadura militar -a de que
armas e carros são capazes de
reduzir a criminalidade.
"Arma e carro são bons para
ganhar eleição e fazer média
com a opinião pública, mas não
reduzem a violência sozinhos",
diz o sociólogo Claudio Beato,
professor da Universidade Federal de Minas Gerais.
A segunda conclusão, unânime entre quatro pesquisadores
de violência ouvidos pela Folha, é pior ainda: o fundo de segurança, criado para induzir os
Estados a mudarem suas polícias, gasta quase 90% da verba
com projetos que são incapazes
de cumprir essa finalidade.
"O fundo é uma excelente
idéia, mas seus resultados são
pífios. O dinheiro é usado para
comprar mais do mesmo e isso
não funciona", diz Costa.
Claudio Beato diz não ver
problemas na compra de carros
e armas -afinal, as polícias no
Brasil carecem de quase tudo,
segundo ele. O que ele diz não
entender é por que gasta-se tão
pouco com projetos de prevenção de violência. "O governo
rasga muito dinheiro do fundo
porque não calcula a relação
entre custo e benefício. É mais
barato prevenir um crime com
projetos que misturem policiamento inteligente e projetos
sociais do que construir presídios ou armar a polícia", diz.
Investir no caos
O antropólogo e escritor Luiz
Eduardo Soares, que foi o secretário nacional de Segurança
em 2003, é ainda mais pessimista sobre os gastos do fundo.
"A polícia brasileira está um
caos e investir nesse caos é pior
do que jogar dinheiro fora. É
pior porque você fortalece as
condições que levaram ao caos.
Era melhor não fazer nada."
O governo criou uma série de
normas para distribuir as verbas do fundo. O critério de
maior peso é o número de homicídios intencionais. Logo em
seguida, vêm o número de policiais da cidade ou Estado e a
ocorrência de crimes menos
graves. Finalmente, são ponderados a população, a área da região e os delitos de trânsito. Na
prática, cidades sem violência
são premiadas com verbas.
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