São Paulo, segunda-feira, 05 de fevereiro de 2007

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Carros doados por fundo estão parados há 7 meses

Dos 12 veículos, 2 estão em Cruzeiro (SP), cidade natal do ministro da Justiça

Estudo mostra que 86% da verba do fundo de segurança vai para carros e armas e só 7% é usada em projetos inovadores de policiamento

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Vista de Cruzeiro, cidade de 76 mil habitantes no interior de São Paulo, a Secretaria Nacional de Segurança Pública é um fracasso. O atestado do fracasso está no pátio da prefeitura: dois carros de polícia doados pelo governo Lula em 28 de junho do ano passado nunca rodaram.
De nada adiantou Cruzeiro ser a cidade natal do ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça), a quem a Secretaria Nacional de Segurança é subordinada. Sete meses depois da doação, os documentos de dois Gol não chegaram. Outros dez carros de polícia estão parados em outras cinco cidades paulistas por razões burocráticas -a doação para o Estado de São Paulo não foi acertada.
Cruzeiro é uma caricatura da maneira como a União distribui verbas em segurança -sobretudo, por causa do prazo. Mas o tipo de doação não é uma exceção, segundo levantamento do sociólogo Arthur Costa, professor da Universidade de Brasília, e do economista Bruno Grossi, obtido pela Folha.
Ao analisar os recursos distribuídos pelo Fundo Nacional de Segurança Pública entre 2000 e 2005, a dupla constatou que carros, armamentos e outros tipos de equipamentos consumiram 86% dos recursos. Projetos inovadores de policiamento e capacitação receberam, respectivamente, 7% e 3% das verbas. Segundo os pesquisadores, foi distribuído R$ 1,74 bilhão nesse período.

Sem mudança
Pesquisa similar feita pela Secretaria Nacional de Segurança mostra que investimentos que podem alterar a ação da polícia -como a compra de equipamentos para escuta telefônica, fundamentais para investigar o crime organizado- receberam só 0,18% das verbas federais entre 2000 e 2005.
Armamento não-letal, outro equipamento que revelaria a disposição de mudança, só ficou com 0,25% dos recursos.
A primeira conclusão de Arthur Costa é que os governos de Fernando Henrique Cardoso e de Lula não mudaram uma lógica de investimentos que vem da ditadura militar -a de que armas e carros são capazes de reduzir a criminalidade.
"Arma e carro são bons para ganhar eleição e fazer média com a opinião pública, mas não reduzem a violência sozinhos", diz o sociólogo Claudio Beato, professor da Universidade Federal de Minas Gerais.
A segunda conclusão, unânime entre quatro pesquisadores de violência ouvidos pela Folha, é pior ainda: o fundo de segurança, criado para induzir os Estados a mudarem suas polícias, gasta quase 90% da verba com projetos que são incapazes de cumprir essa finalidade.
"O fundo é uma excelente idéia, mas seus resultados são pífios. O dinheiro é usado para comprar mais do mesmo e isso não funciona", diz Costa.
Claudio Beato diz não ver problemas na compra de carros e armas -afinal, as polícias no Brasil carecem de quase tudo, segundo ele. O que ele diz não entender é por que gasta-se tão pouco com projetos de prevenção de violência. "O governo rasga muito dinheiro do fundo porque não calcula a relação entre custo e benefício. É mais barato prevenir um crime com projetos que misturem policiamento inteligente e projetos sociais do que construir presídios ou armar a polícia", diz.

Investir no caos
O antropólogo e escritor Luiz Eduardo Soares, que foi o secretário nacional de Segurança em 2003, é ainda mais pessimista sobre os gastos do fundo. "A polícia brasileira está um caos e investir nesse caos é pior do que jogar dinheiro fora. É pior porque você fortalece as condições que levaram ao caos. Era melhor não fazer nada."
O governo criou uma série de normas para distribuir as verbas do fundo. O critério de maior peso é o número de homicídios intencionais. Logo em seguida, vêm o número de policiais da cidade ou Estado e a ocorrência de crimes menos graves. Finalmente, são ponderados a população, a área da região e os delitos de trânsito. Na prática, cidades sem violência são premiadas com verbas.


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