São Paulo, quinta-feira, 05 de fevereiro de 2009

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PASQUALE CIPRO NETO

"Nulo" e "anulável"


Do ponto de vista morfológico, "nulo" é palavra primitiva, da qual se forma "anular", da qual se forma o adjetivo "anulável"


EM SEU ÚLTIMO VESTIBULAR, a Unicamp apresentou uma questão assim introduzida: "Leia os seguintes artigos do Capítulo VIII do novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002): Art. 1.548. É nulo o casamento contraído: I -pelo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil; II -por infringência de impedimento. (...) Art. 1.550. É anulável o casamento: I -de quem não completou a idade mínima para casar; (...) VI -por incompetência da autoridade celebrante".
A questão era composta por dois itens, mas só vou tratar do primeiro, que era o seguinte: "Os enunciados que introduzem os artigos 1.548 e 1.550 têm sentido diferente. Explique essa diferença, comparando, do ponto de vista morfológico, as palavras nulo e anulável". O prezado leitor notou a presença da expressão "do ponto de vista morfológico"? Que importância tem ela para quem responde à questão? Tem toda a importância do mundo. Ela significa que não basta ao aluno dizer que "nulo" e "anulável" são... São o quê?
São adjetivos, sem dúvida, já que se usam para qualificar um substantivo ("casamento", no caso). Quem começa a responder à questão por aí e depois se põe a dizer que esses adjetivos não têm o mesmo sentido pode se dar bem ou mal, dependendo de como desenvolve a "tese", já que é fundamental não perder de vista a tal observação imposta pela banca ("do ponto de vista morfológico").
Pois bem. Quando se leva em conta a morfologia, ou seja, o estudo da forma, da formação, vê-se que "nulo" é palavra primitiva, da qual se forma "anular", da qual se forma "anulável". Embora os dicionários deem "anular" como vinda do latim "anullare", é cabível pensar na clássica formação parassintética, pela qual se acrescentam, simultaneamente, prefixo e sufixo a um vocábulo primitivo. No caso em tela, temos "a-" + "nulo" + "-ar". Esse processo ocorre em inúmeras palavras da nossa língua, como "acalmar" ("a-" + "calmo" + "-ar"), "afear" ("a-" + "feio" + "-ar"), "arredondar" ("a-" + "redondo" + "-ar"), "abaular" ("a-" + "baul" + "-ar") etc. Antes que alguém esperneie, não houve erro de digitação no último exemplo que dei ("abaular"). Essa palavra vem mesmo de "baul", forma antiga (e ainda registrada nos dicionários) de "baú". E o que significam todas essas palavras que citei? Essencialmente, elas transmitem a ideia de "tornar...": "acalmar" é "tornar calmo", "afear" é "tornar feio", "arredondar" é "tornar redondo", e "abaular" é "tornar (igual à forma do) baul/baú".
Pois é justamente aí que está o xis da questão da Unicamp. "Nulo" não é sinônimo (muito menos antônimo) de "anulável". Em "anulável" há o sufixo latino "-vel", que significa "passível de praticar ou sofrer determinada ação" ("Aurélio"). Em outras palavras, "anulável" é "o que se pode anular". Por sua vez, "anular" é "tornar nulo". Resumo da ópera: nos casos descritos no artigo 1.548 do novo Código Civil, o casamento é nulo, ou seja, não é reconhecido, não tem valor ou efeito legal; nos casos descritos no artigo 1.550, o casamento, a princípio, é reconhecido, mas pode (ou deve) ser anulado. É isso.

inculta@uol.com.br


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