São Paulo, segunda-feira, 05 de março de 2001

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Em SP, 6.222 seriam beneficiados FLÁVIA DE LEON
DA REPORTAGEM LOCAL

As penas alternativas, como são conhecidas as punições que podem substituir a prisão, alcançariam no máximo um universo de 6.222 presos no Estado de São Paulo, ou quase 13% da população carcerária com sentença conhecida pelo sistema penitenciário estadual.
Esse é o número de condenados por crimes de furto, estelionato, porte de arma e uso de drogas, cujas punições poderiam ser enquadradas na lei que regulamentou as penas alternativas.
Sancionada em 98, a lei prevê que são candidatas a penas alternativas as pessoas que cometem crimes cujas penas não ultrapassem quatro anos, não tenham cometido ato violento ou grave ameaça e apresentem condições sociais gerais favoráveis.
A estimativa é generosa. Da atual população carcerária de 96,6 mil presos, apenas 59,5 mil estão na última estatística da Coesp (Coordenadoria dos Estabelecimentos Penitenciários de São Paulo), feita em janeiro. Destes, 14.091 estão no sistema estadual sem que a Coesp saiba o motivo.
O coordenador da Coesp, Sérgio Ricardo Salvador, disse que esses presos aparecem como "sem incidência" nas estatísticas porque os dados sobre os condenados têm de ser fornecidos pelos fóruns dos municípios.
Lançados no sistema da Prodesp (Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo), as informações nem sempre são completas e precisas, o que resulta na criação da coluna dos "sem incidência". Além disso, entre os 6.222 podem estar presos condenados por mais de um crime ou que tenham usado de violência, o que os excluiria da lei das penas alternativas.
Para o juiz da 5ª Vara Criminal Central, Edson Brandão, um dos pioneiros no Estado a aplicar penas alternativas, o número de possíveis beneficiados deve ser muito menor. "Hoje em dia, não se manda mais para a cadeia o usuário de drogas, e, no entanto, mais de 400 pessoas aparecem na estatística como se estivessem presas por isso. Elas, com certeza, têm muitas condenações a cumprir e apenas estão registradas como cumprindo pena por uso de drogas."

Fiscalização
As penas alternativas foram primeiro introduzidas no Brasil em 84, quando houve uma reforma no Código Penal, que data de 1940. Na década seguinte, a lei 9.099, que criou os juizados especiais criminais, consolidou as penas alternativas à prisão, mas para crimes cuja punição fosse de até dois anos de prisão.
Em 98, outra lei, a de número 9.714, alterou dispositivos do Código Penal e ampliou o alcance das penas alternativas. Desde então, podem ser aplicadas como punição a quem comete crimes cuja sentença não ultrapasse quatro anos de prisão (veja quadro).
Mas a aplicação não tem sido efetiva, e são poucos os motivos apontados por especialistas para esse fato. "Os juízes não aplicam as penas alternativas porque não há fiscalização, que tem de ser feita pelo Estado", afirma o procurador de Justiça aposentado Damásio Evangelista de Jesus, autor do livro "Penas Alternativas", em que comenta a lei 9.714.
Em 95, Jesus participou, ao lado do então ministro da Justiça Nelson Jobim (hoje ministro do Supremo Tribunal Federal), de uma conferência das Nações Unidas no Cairo. Ficou responsável por acompanhar e relatar o grupo que estudava as penas alternativas. Tornou-se um entusiasta e contagiou Jobim, que propôs a lei dos juizados especiais criminais.
"Não existe oferta de serviço adequado para o juiz encaminhar, tampouco acompanhamento", afirma o juiz Edson Brandão.
Quando atuava em Campinas, Brandão iniciou a aplicação de penas alternativas sentenciando maridos agressores a pagar cestas básicas mensais. Descobriu, em pouco tempo, que alguns transformavam a punição imposta a eles como mais um motivo de agressão familiar: tiravam comida de casa e obrigavam as mulheres a ir ao fórum entregar as cestas.
"Então iniciamos um serviço terapêutico, em que os agressores eram obrigados a se submeter a terapia psicológica, além da cesta. Funcionou muito bem. Quando saí de Campinas, apenas na Vara em que eu atuava tínhamos 136 presos cumprindo pena alternativa. Cheguei a São Paulo em janeiro de 2000 e aqui só havia 650 em penas alternativas", contou.
Segundo Brandão, a 5ª Vara chegou a ter serviço semelhante, que foi desativado pela Secretaria da Administração Penitenciária por falta de demanda. "Mas eu não desisto. Estou fazendo convênios com universidades e organizações não-governamentais."
Para a secretária nacional de Justiça, Elizabeth Sussekind, o primeiro motivo para a pequena aplicação das penas alternativas é o preconceito da própria sociedade. "A família da vítima que foi atropelada, por exemplo, quer cadeia para o atropelador. Mas esse é um tipo de crime que pode ser cometido por pessoas que não têm de ir pra cadeia, que não são criminosas", disse.
Outro motivo apontado por ela é o conservadorismo do Judiciário. "O Judiciário depende de lei, o que ela permite ou não. E, quando aplica uma pena alternativa, o juiz precisa saber que ela está sendo cumprida."
Esse é o papel das centrais de execução das penas alternativas que o governo promete implantar em todo o país até o mês de junho. São essas centrais que vão fazer a ponte entre o Judiciário e as entidades que podem oferecer trabalho ou receber serviços dos punidos e fiscalizar o cumprimento da pena, fechando, assim, a lacuna apontada por juízes.



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