São Paulo, domingo, 05 de março de 2006

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ERIC NEPOMUCENO

'Memórias de Minhas Putas Tristes'

DA REVISTA DA FOLHA

De havaianas brancas, jeans e camiseta tipo Hering azul, Eric Nepomuceno recebe a reportagem em sua casa de três andares no Jd. Botânico, no Rio. Aos 57 anos, ele acende um cigarro Charm atrás do outro. "Só posso fumar Charm porque aí consigo fazer um controle de quanto fumo por dia. Ordens médicas", explica, ajeitando um cinzeiro na mesa da varanda enfeitada por plantas.
Em seu escritório, no primeiro andar, em meio a livros e jornais amontoados pelo chão e nas estantes, há um exemplar de "Notícia de um Seqüestro" e páginas de "O General e seu Labirinto", ambos de Gabriel García Márquez, com anotações do próprio. Eric mesmo admite: é mais conhecido como tradutor de Gabo, o colombiano Prêmio Nobel de Literatura em 1982, do que como escritor. Eric afirma só traduzir os autores de que gosta -geralmente amigos. "Não sou tradutor, não vivo disso; sou escritor. Cheguei a um ponto da vida em que consigo diferenciar o que é bom e o que eu gosto. Às vezes, coincide."
Ele e Gabo se conhecem desde 1978, quando se encontraram em Cuba. Eric foi morar no México, lar também do colombiano, e os dois se tornaram íntimos.
O tradutor conta que raramente procurou o autor para falar de tradução. "Na primeira vez em que o consultei, ele me mandou um fax histórico, dizendo "1. Ve tu dicionário. 2. Ve tu dicionário. 3. Ve tu dicionário". Aí eu mandei de volta um fax assim: "Va te a merda'", lembra ele, que não conversou com Gabo durante a tradução de "Memória de Minhas Putas Tristes", na lista de best-sellers desde o ano passado. "Ele só me pediu dois favores: faça uma boa tradução e não me consulte para nada. Se você só traduz por afeto, a responsabilidade é muito maior. Eu lia trechos e lembrava de conversas de 15 anos atrás com o Gabo, e ficava vendo como ele remói coisas antigas. O escritor escreve sempre o mesmo livro, como ele mesmo diz."

Compartilhamento
"Traduzir é um meio de compartilhar todo esse mundo", diz. "Mas nunca acho que sou o escritor da obra que estou traduzindo. A tradução é uma releitura, embora o texto em português seja meu."
A mulher, Marta -que ele chama de "minha namorada há 35 anos e 29 dias" e com quem tem um filho de 30 anos- já discordou dessa tese. "Muitas vezes, Marta acordava às três da manhã, impressionada com a beleza do "meu" texto -parecia que era eu quem estava escrevendo."
Eric lembra já ter dito a Gabo que suas obras o emocionaram a ponto de inspirá-lo a escrever. "Sou da geração de 48. Existe uma enorme diferença entre fazer amor e se masturbar. Fazendo amor você corre riscos, pode se apaixonar, pode se machucar, pode nunca mais voltar ao normal. Qualquer coisa que eu leia e não mexa o chão embaixo do meu pé não valeu a pena ter sido escrito."


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