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ERIC NEPOMUCENO
'Memórias de Minhas Putas Tristes'
DA REVISTA DA FOLHA
De havaianas brancas, jeans e
camiseta tipo Hering azul, Eric
Nepomuceno recebe a reportagem em sua casa de três andares
no Jd. Botânico, no Rio. Aos 57
anos, ele acende um cigarro
Charm atrás do outro. "Só posso
fumar Charm porque aí consigo
fazer um controle de quanto fumo por dia. Ordens médicas", explica, ajeitando um cinzeiro na
mesa da varanda enfeitada por
plantas.
Em seu escritório, no primeiro
andar, em meio a livros e jornais
amontoados pelo chão e nas estantes, há um exemplar de "Notícia de um Seqüestro" e páginas de
"O General e seu Labirinto", ambos de Gabriel García Márquez,
com anotações do próprio. Eric
mesmo admite: é mais conhecido
como tradutor de Gabo, o colombiano Prêmio Nobel de Literatura
em 1982, do que como escritor.
Eric afirma só traduzir os autores
de que gosta -geralmente amigos. "Não sou tradutor, não vivo
disso; sou escritor. Cheguei a um
ponto da vida em que consigo diferenciar o que é bom e o que eu
gosto. Às vezes, coincide."
Ele e Gabo se conhecem desde
1978, quando se encontraram em
Cuba. Eric foi morar no México,
lar também do colombiano, e os
dois se tornaram íntimos.
O tradutor conta que raramente
procurou o autor para falar de tradução. "Na primeira vez em que o
consultei, ele me mandou um fax
histórico, dizendo "1. Ve tu dicionário. 2. Ve tu dicionário. 3. Ve tu
dicionário". Aí eu mandei de volta
um fax assim: "Va te a merda'",
lembra ele, que não conversou
com Gabo durante a tradução de
"Memória de Minhas Putas Tristes", na lista de best-sellers desde
o ano passado. "Ele só me pediu
dois favores: faça uma boa tradução e não me consulte para nada.
Se você só traduz por afeto, a responsabilidade é muito maior. Eu
lia trechos e lembrava de conversas de 15 anos atrás com o Gabo, e
ficava vendo como ele remói coisas antigas. O escritor escreve
sempre o mesmo livro, como ele
mesmo diz."
Compartilhamento
"Traduzir é um meio de compartilhar todo esse mundo", diz.
"Mas nunca acho que sou o escritor da obra que estou traduzindo.
A tradução é uma releitura, embora o texto em português seja
meu."
A mulher, Marta -que ele chama de "minha namorada há 35
anos e 29 dias" e com quem tem
um filho de 30 anos- já discordou dessa tese. "Muitas vezes,
Marta acordava às três da manhã,
impressionada com a beleza do
"meu" texto -parecia que era eu
quem estava escrevendo."
Eric lembra já ter dito a Gabo
que suas obras o emocionaram a
ponto de inspirá-lo a escrever.
"Sou da geração de 48. Existe uma
enorme diferença entre fazer
amor e se masturbar. Fazendo
amor você corre riscos, pode se
apaixonar, pode se machucar, pode nunca mais voltar ao normal.
Qualquer coisa que eu leia e não
mexa o chão embaixo do meu pé
não valeu a pena ter sido escrito."
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