São Paulo, quarta-feira, 05 de março de 2008

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ONU critica nova lei antidrogas brasileira

Segundo documento, lei brasileira "pode até prejudicar a investigação e o julgamento das atividades ilícitas relacionadas a drogas"

Estrutura da rede pública é deficiente para atender usuário, afirma relatório; para governo, rede de ONGs dará suporte à demanda

ANDRÉA MICHAEL
FELIPE SELIGMAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Relatório de um órgão da ONU (Organização das Nações Unidas) divulgado ontem diz que o Brasil terá dificuldades para aplicar a nova legislação antidrogas -que trata o usuário como doente-, por falta de estrutura da rede pública.
A lei, de 2006, "pode até prejudicar a investigação e o julgamento das atividades ilícitas relacionadas a drogas, e pode dar a entender à opinião pública que o governo está tratando o narcotráfico com mais indulgência", diz o documento.
A legislação anterior dava o mesmo tratamento a usuários e traficantes.
Apresentado em Brasília, o relatório é da Jife (Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes), braço jurídico do UNODC, escritório da ONU contra drogas e crime. Contém dados de todos os continentes.
O secretário nacional Antidrogas, Paulo Uchôa, refutou as críticas. Disse que a rede pública está em preparação e que, ao mesmo tempo, disporá de uma estrutura de ONGs que poderá dar suporte à demanda e atender usuários de drogas, que, por determinação judicial, devam ser tratados como doentes.
A falta de estrutura, porém, é reconhecida por quem atua na área. "A lei é boa. O quadro de desassistência é escandalosamente dramático não só no Distrito Federal como no Brasil. A rede pública precisará se equipar", diz o promotor Jairo Bisol, que atua em Brasília.
Pedro Gabriel, coordenador da área técnica de saúde mental, álcool e drogas do Ministério da Saúde, admite que existe "uma lacuna entre a demanda de tratamento e a oferta de serviços", mas afirma que "o Brasil vive uma tendência de ampliação da rede de atendimento ao usuário e, talvez, devesse ter sido registrado esse processo".
Quanto à "condescendência" que a Jife vê na lei, o representante regional do UNODC para o Brasil e Cone Sul, Giovanni Quaglia, citou experiências de outros países que combinam o tratamento médico do usuário na mesma medida em que ele colabore com a Justiça para ajudar no combate ao crime.

Consumo de drogas
Outro dado da Jife é que, ao contrário da América do Sul, onda a droga mais consumida pelos estudantes é a maconha, a preferência no Brasil seria por substâncias inaláveis (basicamente cola de sapateiro).
A questão é polêmica, pois a Senad (Secretaria Nacional Antidrogas) alega que, pela legislação, a cola não é uma substância ilícita -portanto, os critérios do relatório divergem dos usados para classificar o que é legal ou ilegal no Brasil.
Para a Senad, a maconha continua a ser a droga mais consumida entre os jovens -a pasta se baseia em levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas, de 2005.
"O relatório é uma publicação legítima, mas precisamos de um olhar um pouco crítico, porque muitos países não possuem sistema de coleta de dados ou, quando possuem, não são confiáveis", disse Uchôa.
A Jife leva em conta, porém, um estudo do UNODC e da Comissão Interamericana de Controle e Abuso de Drogas que mostra o Brasil como o primeiro colocado no uso de inalantes entre os alunos do ensino médio da América do Sul.


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