São Paulo, segunda-feira, 05 de abril de 2004

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SAÚDE

Grupo criado para definir política para o setor deixa para o presidente Lula decisões como restrição à propaganda e sobretaxa

Governo não conclui projeto sobre álcool

FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

Foram nove meses de trabalho, mas o grupo interministerial criado para debater uma política pública contra o álcool para o país não chegou a lugar nenhum nos pontos cruciais do assunto: restrição de propaganda, aumento do preço do produto, limitações à venda, todas questões que ultrapassam os limites da Saúde, que encabeça a discussão no governo.
A proposta que segue para o ministro da Saúde, Humberto Costa, nos próximos dias, deixou as questões em aberto. Como não houve acordo nem entre os ministérios envolvidos -também participaram das discussões a indústria e representantes de entidades científicas- a idéia, diz Pedro Gabriel Delgado, coordenador de Saúde Mental do ministério e do grupo interministerial, é deixar as questões polêmicas a cargo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que levará o projeto ao Congresso. Costa é favorável às propostas de restrição e ao aumento de preço.
"O pedido do grupo é ir com o ministro ao presidente, justamente para dar a importância devida a um problema complexo, que só pode ser um problema de governo", disse Delgado. "Você só pode afirmar que um governo tem uma política quando ele desenvolve ações em várias áreas."
O que é atribuição só da Saúde, diz Delgado, já começou a andar. Como uma proposta de sistema de atenção para pessoas que têm problemas com o álcool. Nele, os postos de saúde trabalharão articulados com os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) de álcool e de outras drogas.

Propaganda
O resumo dos debates realizados até janeiro chegará a Lula bastante atrasado. A idéia era fechá-lo em setembro de 2003. Em outubro, já encaminhado o pedido de adiamento ao presidente, a pasta admitia recuar na idéia de proibir toda a propaganda de bebida alcoólica das 6h às 22h no rádio e na TV e propunha que produtores de cerveja e vinho pudessem fazer "chamadas de patrocínio".
Hoje no país a propaganda de cerveja é liberada em qualquer horário. Somente bebidas de alto teor alcoólico, como a cachaça, têm a propaganda proibida em rádio e televisão das 6h às 21h.
A restrição total de anúncios de álcool das 6h às 22h era a proposta original do grupo, iniciado em maio de 2003. Foi estabelecido depois que o governo, pressionado pelas cervejarias, decidiu retirar de votação na Câmara uma emenda que estendia à cerveja a restrição de propaganda.
O álcool é o primeiro fator de risco à saúde no país para adoecimento e mortes evitáveis, na frente de males como o cigarro, o sexo inseguro e a falta de saneamento.
"O assunto carece não só de uma definição da política como da aplicação da lei existente", opina o psiquiatra Flávio Pechansky, um dos especialistas que debateram consenso sobre a política pública a ser publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria. O texto defende as restrições e a taxação.
Segundo o Ministério de Saúde, 70% a 80% da população faz uso da bebida na vida, 30% tem problemas com o álcool e 10%, graves problemas, como dependência.

Brasil e EUA
O relatório sobre uso de drogas e neurociência, divulgado pela Organização Mundial da Saúde em Brasília em março, mostrou que, apesar de o consumo por adulto/ano de álcool puro ser menor no Brasil que nos EUA (8,6 litros contra 9,7 litros dos americanos), aqui o padrão é abusivo.
Para medir isso, explica Delgado, a OMS cruzou dados sobre dependência de álcool, acidentes de trânsito, violência doméstica, consumo excessivo nos finais de semana. Chegou a um tipo de indicador que vai de um (consumo menos danoso) a quatro. Acima de três o consumo é considerado muito nocivo. O Brasil ficou com índice 3,1, enquanto os EUA, dois.
O Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, referência em estudos sobre o assunto, tem um texto clássico, de 15 anos atrás, que mostra que a maior parte dos cadáveres do IML (Instituto Médico Legal) de São Paulo tinha álcool no sangue.
Um trabalho publicado em 2002 pelo centro mostrou que 90% das 726.429 internações pelo uso de psicotrópicos entre 1988 e 1999 foram em razão do álcool. Não há dados sobre o custo social do álcool. A Saúde trabalha na conta para tentar convencer o governo.


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