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MOACYR SCLIAR
Ficção científica
1. Informação privilegiada
Estudioso do interesse humano por
óvnis e seres extraterrestres, Pierre
Lagrange resolveu escrever um guia
turístico de Marte. Sinapse (Fernando Eichenberg), 30.mar.2004
O lançamento do livro
foi um grande sucesso,
principalmente porque espalhou-se a notícia de que seria sorteada,
entre as pessoas que lá comparecessem, uma passagem para a
primeira excursão a Marte, a ser
realizada em um futuro não muito distante. Era apenas um boato,
claro, mas desnecessário como
promoção, a obra chamava a
atenção pelo tema, pela originalidade e pela incrível quantidade
de informações sobre o "planeta
vermelho". Vários jornalistas perguntaram ao autor de onde tinha
obtido tanto material, mas só obtiveram respostas evasivas. Intrigado, um repórter resolveu seguir
o escritor depois do lançamento.
O homem foi até um parque, deserto àquela hora da noite. Depois de olhar para os lados, assobiou baixinho. De entre os arbustos emergiu um homenzinho verde com antenas. O autor então
entregou-lhe uma quantia em dinheiro. O homenzinho verde entrou num estranho veículo que
ali estava, e que sumiu silenciosamente no espaço, para a perplexidade do jornalista. Que acabou
atribuindo aquilo tudo a
uma alucinação etílica. Bebe-se
muito, nessas festas de lançamento de livros.
2.Os dilemas da clonagem
Empresa clona gatos de estimação
nos EUA. Mundo, 30.mar.2004
A criatura que ela mais
amava no mundo era o seu
gato, Mitz. Era ele quem lhe fazia
companhia na solitária velhice.
Era para ele que ela contava suas
mágoas. Era com ele que dormia
abraçada. Mitz era um doce. O
único problema é que também estava velho. Ora, os gatos vivem
menos do que os humanos, e o
que faria ela quando Mitz morresse? Essa dúvida atormentou-a
até que leu o anúncio sobre clonagem. Não hesitou: apesar do preço
salgado, mandou clonar o gato. E
aí recebeu uma notícia inesperada: devido a um mal-entendido,
52 clones do Mitz tinham sido
produzidos. Claro, ela não precisaria ficar com todos; aqueles que
não desejasse seriam sacrificados.
Horrorizada, disse que não fizessem isso: aceitaria todos os gatos.
E, assim, atualmente partilha a
sua casa com os 52 felinos. Gosta
de todos. O único problema é que
seu afeto não é bem correspondido. Os gatos dormem em sua cama, ocupam seu sofá, miam irritados quando ela quer entrar no
banheiro. Uma luta surda, na
qual a pobre senhora está em
franca inferioridade. E por isso já
está pensando em fazer clones de
si própria. Cinqüenta e dois clones, no mínimo.
Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção
baseado em reportagens publicadas no
jornal.
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