São Paulo, segunda-feira, 05 de abril de 2004

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MOACYR SCLIAR

Ficção científica

1. Informação privilegiada

Estudioso do interesse humano por óvnis e seres extraterrestres, Pierre Lagrange resolveu escrever um guia turístico de Marte. Sinapse (Fernando Eichenberg), 30.mar.2004

O lançamento do livro foi um grande sucesso, principalmente porque espalhou-se a notícia de que seria sorteada, entre as pessoas que lá comparecessem, uma passagem para a primeira excursão a Marte, a ser realizada em um futuro não muito distante. Era apenas um boato, claro, mas desnecessário como promoção, a obra chamava a atenção pelo tema, pela originalidade e pela incrível quantidade de informações sobre o "planeta vermelho". Vários jornalistas perguntaram ao autor de onde tinha obtido tanto material, mas só obtiveram respostas evasivas. Intrigado, um repórter resolveu seguir o escritor depois do lançamento. O homem foi até um parque, deserto àquela hora da noite. Depois de olhar para os lados, assobiou baixinho. De entre os arbustos emergiu um homenzinho verde com antenas. O autor então entregou-lhe uma quantia em dinheiro. O homenzinho verde entrou num estranho veículo que ali estava, e que sumiu silenciosamente no espaço, para a perplexidade do jornalista. Que acabou atribuindo aquilo tudo a uma alucinação etílica. Bebe-se muito, nessas festas de lançamento de livros.

2.Os dilemas da clonagem

Empresa clona gatos de estimação nos EUA. Mundo, 30.mar.2004

A criatura que ela mais amava no mundo era o seu gato, Mitz. Era ele quem lhe fazia companhia na solitária velhice. Era para ele que ela contava suas mágoas. Era com ele que dormia abraçada. Mitz era um doce. O único problema é que também estava velho. Ora, os gatos vivem menos do que os humanos, e o que faria ela quando Mitz morresse? Essa dúvida atormentou-a até que leu o anúncio sobre clonagem. Não hesitou: apesar do preço salgado, mandou clonar o gato. E aí recebeu uma notícia inesperada: devido a um mal-entendido, 52 clones do Mitz tinham sido produzidos. Claro, ela não precisaria ficar com todos; aqueles que não desejasse seriam sacrificados. Horrorizada, disse que não fizessem isso: aceitaria todos os gatos. E, assim, atualmente partilha a sua casa com os 52 felinos. Gosta de todos. O único problema é que seu afeto não é bem correspondido. Os gatos dormem em sua cama, ocupam seu sofá, miam irritados quando ela quer entrar no banheiro. Uma luta surda, na qual a pobre senhora está em franca inferioridade. E por isso já está pensando em fazer clones de si própria. Cinqüenta e dois clones, no mínimo.


Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em reportagens publicadas no jornal.


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