São Paulo, quarta-feira, 05 de maio de 2004

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EDUCAÇÃO

Grupo de trabalho avaliou tema durante 15 meses; discussão foi interrompida depois que estudantes xingaram reitor

USP suspende debate sobre as fundações

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando alguns estudantes começaram a xingar o reitor Adolpho José Melfi, 67, já dava para prever que a discussão sobre a atuação de 30 fundações de direito privado na maior universidade pública do país, a USP, não acabaria bem. Não acabou.
Duas horas depois de iniciada, o reitor deu por encerrada a reunião, e dispensou os 500 professores, alunos e funcionários que compareceram ao teatro central do campus do Butantã (zona oeste de São Paulo), para discutir os resultados de um grupo de trabalho com 40 membros, que passou 15 meses estudando o tema das fundações e debatendo-o com todas as faculdades.
A longa duração do estudo, a radicalização dos estudantes e o encerramento intempestivo têm razões que se medem em cifrões: prestando serviços a empresas privadas e a órgãos públicos, as fundações privadas arrecadaram em 2001 R$ 457,8 milhões, 35% do orçamento total da USP. Dos recursos arrecadados, repassaram à universidade apenas 4,26%, o restante servindo para complementar os salários dos professores que avalizam a qualidade dos serviços prestados e para custear pessoal e administração.
A maioria dos membros do grupo de trabalho defende as fundações, dizendo que elas servem para dar mais agilidade às atividades na USP, já que não estão sujeitas à burocracia da máquina pública. Dizem ainda que as fundações permitem que a universidade interaja melhor com as demandas da sociedade.
Como exemplo, a relatora Telma Zorn, 56, do Instituto de Ciências Biológicas, cita a Fundação Zerbini, administradora do Instituto do Coração (Incor), modelo de pesquisa e atendimento em doenças cardíacas.
A própria pesquisadora, no entanto, reconhece que falta controle ou informação sobre as receitas auferidas pelas fundações da USP. Reconhece ainda que as entidades privadas acabam interferindo indevidamente nas atividades acadêmicas, por exemplo, oferecendo cursos sem a aprovação dos conselhos das faculdades. É aí que os estudantes ficam furiosos.
A maior parte dos cursos oferecidos pelas fundações são pagos pelos alunos e ministrados nas instalações de uma universidade que se define como pública e gratuita. Só com cursos, a Fundação Instituto de Administração (FIA), por exemplo, arrecadou R$ 32,3 milhões em 2001. Trata-se de receita maior do que todo o orçamento da Faculdade de Economia a Administração, que a FIA, em princípio, "apóia".
"Os cursos pagos promovidos pelas fundações tornaram-se uma indústria, ferindo o caráter público da USP e contrariando a Constituição Federal, que estabelece a gratuidade do ensino em instituições oficiais", afirma o professor Ciro Teixeira Correia, representante da Associação dos Docentes no grupo de trabalho, secundado pelo representante do Diretório Central dos Estudantes.
Agora, cabe ao Conselho Universitário decidir: ou regulamentará o funcionamento das fundações, ou encampará todas numa megafundação pública, como é a Fuvest (Fundação para o Vestibular). Esta é a proposta da Adusp, visando amplificar os controles universitários sobre os recursos.
Antes do fim da reunião, um estudante perguntou: "Se 30% dos professores com assento no Conselho Universitário são remunerados por fundações, como eles votarão?" A reunião acabou antes que a resposta pudesse ser dada.


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