São Paulo, terça-feira, 05 de junho de 2001

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VIOLÊNCIA

Entre 1999 e 2001, número de queixas subiu 43,7% no Estado de São Paulo; ocorrências chegam a 30 mil por mês

Cresce denúncia de crimes contra a mulher

GABRIELA ATHIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

A dona-de-casa Suely, 39, cansou de apanhar calada. Na quinta-feira passada, nervosa e chorando, ela procurou a Associação de Mulheres da Zona Leste para denunciar 25 anos de pancadaria e humilhação. "Se eu não tomar uma atitude, meu marido vai me matar", disse ela ao pedir sigilo sobre seu nome verdadeiro.
A média mensal dos registros policiais de violência contra a mulher aumentou cerca de 43,7% entre 1999 e 2001 no Estado de São Paulo. Pelos boletins de ocorrência registrados nas 125 Delegacias de Defesa da Mulher, neste ano foram aproximadamente 30 mil queixas por mês, sendo 10.016 referentes a agressões.
Os números da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo indicam, em uma primeira leitura, o aumento dos casos de violência -como agressões físicas, crimes sexuais e maus-tratos. Mas podem traduzir apenas o aumento das denúncias e, consequentemente, de uma mudança de comportamento das mulheres.
"O que mais aumentou foi a coragem das mulheres de reagir", diz Cláudia Maria Nogueira Santos, 33, uma das cinco advogadas da associação da zona leste, entidade que presta assistência jurídica gratuita a 150 novas vítimas por mês e acompanha centenas de processos civis e criminais movidos por mulheres para quem casamento é sinônimo de pancada.
A maioria das médicas, advogadas, delegadas e ativistas do movimento feminista ouvidas pela Folha diz que a violência contra a mulher -cometida pelo companheiro no âmbito familiar- é muito frequente.
Os números da secretaria confirmam dados preliminares de uma pesquisa ainda inédita patrocinada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) em sete países, entre os quais o Brasil, mostrando que uma em cada três moradoras da cidade de São Paulo é vítima de violência.
A coordenadora da pesquisa, Lilia Blima Schraiber, explica que esse percentual é compatível com as estatísticas internacionais das grandes metrópoles. A equipe visitou, em 2000, 2.160 domicílios, escolhidos de acordo com critérios censitários, para entrevistar mulheres entre 15 e 49 anos.
Como esse é um crime que ocorre na maioria das vezes dentro de casa, só vira estatística quando a mulher decide denunciar. Por isso, a tendência de quem atua na área é acreditar que boa parte da explosão dos boletins de ocorrência se deve principalmente a essa nova postura.
Além de terem perdido o medo de denunciar, há outros fatores que devem ser levados em conta para entender o problema. "A crise econômica está contribuindo para a deterioração das relações familiares", diz a delegada Jeanette Sanjar, que trabalha há sete anos em delegacias de defesa da mulher. "E isso agrava a violência contra a mulher", completa.
"Eu sou cobrador de ônibus. A senhora sabe quanta raiva eu passo na rua"?, perguntou a Cláudia (advogada da associação de mulheres) um homem acusado de bater na mulher.
Para Lilia, embora crimes cometidos no âmbito doméstico tenham características próprias, eles estão relacionados à escalada da violência urbana. No entanto, diz, é impossível quantificar a influência da crise econômica sobre o aumento das denúncias.
Já há pesquisas que dão algumas pistas sobre uma eventual relação entre a violência contra a mulher e a pobreza. As ativistas de movimentos feministas dizem que, embora esse tipo de agressão esteja presente em todas as camadas sociais, a violência pesa mais no dia-a-dia das mais carentes.
Na seara dos gastos públicos, a pressão maior seria sobre a saúde, já que essas mulheres procuram com muita frequência os postos para tratar dos "efeitos colaterais" da violência: dor de estômago, insônia e mal-estar.
"Elas somatizam as agressões", diz Letíssia Massula, do comitê latino-americano da mulher. No jargão dos profissionais da área, elas são "poliqueixosas".
Segundo a OMS -para quem violência doméstica é um problema de saúde pública-, mulheres agredidas constantemente perdem um ano de vida saudável a cada cinco anos.
Suely -a dona-de-casa que resolveu denunciar o marido- tem 39 anos, mas aparenta ter pelo menos 50. Ela se queixa de dores na coluna, insônia e de ficar com o "corpo gelado" de vez em quando. "Deve ser por causa do medo e do nervoso", arrisca.


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