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RECICLAGEM
Representantes de cooperativas de coleta de lixo pressionam por reconhecimento da profissão e acesso a crédito
Congresso em Brasília mobiliza catadores
RICARDO KOTSCHO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
Foram 16 horas de viagem, mais
de 1,1 mil km chacoalhando de
São Paulo a Brasília num ônibus
comum de janelas abertas, muita
cantoria e batucada. Ninguém reclamou. "Brasília é linda", extasiou-se Luana Rangel, 38, mãe
solteira de quatro filhas, uma das
passageiras mais animadas no
ônibus da Paluana Turismo.
Luana nunca tinha saído de São
Paulo, a exemplo da maioria dos
outros 48 passageiros que vieram
participar do 1º Congresso Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis, aberto ontem à noite,
sob as tendas do Centro Comunitário da Universidade de Brasília.
Só do Estado de São Paulo eram
aguardados 350 catadores organizados em delegações de 50 municípios. De todo o país, havia mais
de 1,7 mil inscritos.
Na quinta-feira, quando termina o evento, catadores de papel e
moradores de rua vão realizar
uma marcha, seguida de ato público em frente ao Congresso Nacional.
"Hoje é um dia histórico",
anunciou a irmã Maria Emília
Ferreira, das cônegas de Santo
Agostinho, durante a celebração
de despedida na Casa de Oração,
no bairro da Luz, domingo à tarde. "Pessoas que eram tidas como
nada, o lixo da sociedade, que enfeavam as ruas... Depois de um
trabalho de muitos anos, conseguiram se organizar, dando um
exemplo à nação."
A preparação foi longa. Desde
que surgiu a idéia de promover o
congresso, em agosto do ano passado, todos os domingos representantes das diversas cooperativas formadas em São Paulo nos
últimos anos reuniram-se na Casa
de Oração para organizar o evento, com a ajuda de ONGs, entidades assistenciais como a OAF (Organização do Auxílio Fraterno) e
voluntários.
Overbooking
Na partida, às 17h, o entusiasmo
era tanto que houve overbooking
no ônibus coordenado por Carlos
Alberto Fabrício, 48, o Carlinhos,
pioneiro na organização dos catadores paulistanos.
O problema foi rapidamente resolvido com o remanejamento de
passageiros para outros ônibus e,
meia hora depois, o comboio pegava a estrada.
Operário da construção civil,
Carlinhos perdeu o emprego na
recessão do início dos anos 80. Ficou sem dinheiro, perdeu os documentos e acabou indo morar
sob os viadutos da Baixada do Glicério. "Éramos uns dez, e o grupo
nem tinha nome", recorda.
Em 1989, Carlinhos e outros catadores criaram a Coopamare,
que hoje tem 64 cooperados e serviu de modelo para a organização
de outros grupos na Grande São
Paulo.
Depois de uma série de encontros estaduais, eles definiram dois
objetivos básicos para o congresso nacional. "O governo precisa,
em primeiro lugar, reconhecer
que nós existimos e regulamentar
a profissão. Depois, queremos linhas de financiamento para as
cooperativas", resume Carlinhos.
Biodigestor
Orfã de pai e mãe, Luana Rangel
não sabe onde nasceu, mas não se
faz de rogada quando lhe perguntam o que quer fazer em Brasília:
"Quero falar com o presidente",
diz a catadora da cooperativa de
reciclagem do Embu, na região
oeste da área metropolitana.
"Eu falaria para ele que não
existe só Brasília, não. A luta dos
catadores interessa para o país
porque ajuda a resolver o problema do desemprego e a reciclar o
lixo das ruas."
A cooperativa de Luana é um
exemplo de como a organização
dos catadores pode mudar suas
vidas. Há três anos, eles conseguiram juros especiais do Banco do
Brasil para um empréstimo de R$
25 mil destinado à compra de
equipamentos, roupas de trabalho, telefone e computador.
Já pagaram tudo o que deviam.
Ganham em média R$ 300 por
mês, além de uma cesta básica cedida pela prefeitura, que também
emprestou um galpão e dois caminhões.
Em outro extremo da cidade, na
divisa de São Paulo com Diadema, o Projeto de Coleta Seletiva
Pedra sobre Pedra foi ainda mais
longe. Organizado em torno de
um antigo lixão, desenvolve um
tecnologia própria e oferece oficinas de arte para as crianças de rua.
Jocemar Silveira, 28, conta aos
colegas de viagem que seu grupo
está desenvolvendo um protótipo
de biodigestor para provar que é
possível tirar gás metano de resíduos domésticos. "Vai dar para
usar em fogões domésticos e em
carros", anima-se.
Arte ecológica
Um dos parceiros de Jocemar,
José da Aleluia de Almeida, 38,
baiano de Ilhéus, sonhava em cursar uma faculdade de música em
São Paulo, mas acabou indo trabalhar como entregador de uma
indústria de bebidas.
Depois de montar uma banda
de rock, a "Dose Fatal", encantou-se com o trabalho do Pedra sobre
Pedra, onde dá aulas de música às
crianças e as ensina a fazer arte
com material reciclado.
Em abril, Aleluia lançou seu primeiro CD -"O que fere o planeta"- só com composições próprias, uma das formas de tornar o
grupo auto-sustentável.
A cada parada dos ônibus, é
uma festa, com troca de lanches e
experiências. Às 6h, o dia clareando, na saída do posto de Cristalina
(GO) para a última etapa até Brasília, ainda resta ânimo para a
cantoria. "Oh Deus, salve o catador/Que esta luta abraçou/Pra
Brasília nós iremos/Conquistar
nosso valor/ Leste-oeste, norte a
sul/Em Brasília somos um."
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