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São Paulo, sábado, 05 de julho de 2003

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LETRAS JURÍDICAS

Visão ampla dos problemas do ensino

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Tendemos a pensar que os males do ensino superior, no Brasil, são exclusivamente nossos. Ou só do ensino jurídico. Não são. Assim como acontece em outros países, observa-se deficiência geral no setor, sobretudo nas três carreiras clássicas (medicina, engenharia e direito), cuja crítica é facilitada pela comparação histórica com o passado. Volto ao assunto da última semana para completar o exame da matéria.
Nos últimos cinquenta anos aumentaram as escolas, veio a avalancha dos alunos, inflou o número de professores, muitos deles fora da carreira universitária. Houve uma "deselitização" do ensino superior, cujos aspectos positivos, todavia, não podem ser ignorados. A base quantitativa do alunado espalhou-se enormemente, abrindo-se a camadas da população antes excluídas, embora chegassem à universidade com preparo inferior ao mínimo desejável. Novos ramos e especialidades impuseram requisitos diversificados, colocaram mais distante o ápice ideal de competência. Os que chegaram ao topo tornaram-se mais sofisticados, embora constituindo a minoria absoluta.
O crescimento quantitativo, desacompanhado do qualitativo, é o mais comum dos sérios defeitos no ensino universitário brasileiro. As causas das deficiências, do ponto de vista estudantil, são muitas. Começam no ensino básico, solapando o aproveitamento no curso superior, até pela falta de rudimentos dos conhecimentos gerais, na área jurídica em particular, dos problemas a serem enfrentados pelo profissional.
Na engenharia, os progressos da ciência, das novas técnicas e os procedimentos construtivos até a submissão a restrições ambientais e do interesse coletivo, são uns poucos pontos a referir exemplificativamente. Valem tanto no setor público quanto no privado, para engenheiros civis, industriais, químicos e de outras especializações, nas quais chamam a atenção as áreas eletro-eletrônicas. O excesso de mão-de-obra em outros ramos também é um paradoxo, aqui e em mais de um país europeu.
Na medicina, as extraordinárias transformações do século 20 ainda não foram absorvidas. Muitos médicos tiveram de optar entre a atuação como meros manuseadores de máquinas e as velhas condutas próprias do raciocínio clínico. Li, há dias, no "Diário de Notícias" de Lisboa, bom comentário do médico e professor José Manuel Mendes de Almeida, também diretor hospitalar, tratando do problema do ensino médico em Portugal. Reclamou a avaliação periódica dos profissionais "e mesmo a existência de auditorias que procurem, com isenção, ser fator de melhoria", pugnando para que, nas carreiras do ensino médico fosse limitada a segurança de cargos vitalícios, hoje tomados como se fossem direito absoluto e não meta a perseguir. No Brasil, a médica Laura Camargo Macruz Feurwerker, em densa tese de doutorado na USP, intitulada "Além do discurso de mudança na educação médica" (Editora Hucitec, 2002, 304 páginas), tem propostas para mudar concepções e práticas do ensino superior, que podem aplicar-se a outros ramos da educação. Defende democratização universitária, mudança institucional, com participação acrescida de professores e alunos, planejamento estratégico, com a transformação do processo de produção de profissionais. Laura Feuerwerker termina por acentuar o momento histórico contemporâneo e a necessidade de buscar alternativas em face das contradições da vida, propondo "uma compreensão mais profundamente dialética a respeito das possibilidades do futuro". Merece nossa reflexão.


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