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LETRAS JURÍDICAS
Visão ampla dos problemas do ensino
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Tendemos a pensar que os males do ensino superior, no Brasil,
são exclusivamente nossos. Ou só
do ensino jurídico. Não são. Assim como acontece em outros
países, observa-se deficiência geral no setor, sobretudo nas três
carreiras clássicas (medicina, engenharia e direito), cuja crítica é
facilitada pela comparação histórica com o passado. Volto ao assunto da última semana para
completar o exame da matéria.
Nos últimos cinquenta anos aumentaram as escolas, veio a avalancha dos alunos, inflou o número de professores, muitos deles
fora da carreira universitária.
Houve uma "deselitização" do
ensino superior, cujos aspectos
positivos, todavia, não podem ser
ignorados. A base quantitativa do
alunado espalhou-se enormemente, abrindo-se a camadas da
população antes excluídas, embora chegassem à universidade
com preparo inferior ao mínimo
desejável. Novos ramos e especialidades impuseram requisitos diversificados, colocaram mais distante o ápice ideal de competência. Os que chegaram ao topo tornaram-se mais sofisticados, embora constituindo a minoria absoluta.
O crescimento quantitativo, desacompanhado do qualitativo, é o
mais comum dos sérios defeitos
no ensino universitário brasileiro.
As causas das deficiências, do
ponto de vista estudantil, são
muitas. Começam no ensino básico, solapando o aproveitamento
no curso superior, até pela falta de
rudimentos dos conhecimentos
gerais, na área jurídica em particular, dos problemas a serem enfrentados pelo profissional.
Na engenharia, os progressos
da ciência, das novas técnicas e os
procedimentos construtivos até a
submissão a restrições ambientais e do interesse coletivo, são
uns poucos pontos a referir
exemplificativamente. Valem
tanto no setor público quanto no
privado, para engenheiros civis,
industriais, químicos e de outras
especializações, nas quais chamam a atenção as áreas eletro-eletrônicas. O excesso de mão-de-obra em outros ramos também é
um paradoxo, aqui e em mais de
um país europeu.
Na medicina, as extraordinárias
transformações do século 20 ainda não foram absorvidas. Muitos
médicos tiveram de optar entre a
atuação como meros manuseadores de máquinas e as velhas
condutas próprias do raciocínio
clínico. Li, há dias, no "Diário de
Notícias" de Lisboa, bom comentário do médico e professor José
Manuel Mendes de Almeida,
também diretor hospitalar, tratando do problema do ensino
médico em Portugal. Reclamou a
avaliação periódica dos profissionais "e mesmo a existência de auditorias que procurem, com isenção, ser fator de melhoria", pugnando para que, nas carreiras do
ensino médico fosse limitada a
segurança de cargos vitalícios,
hoje tomados como se fossem direito absoluto e não meta a perseguir. No Brasil, a médica Laura
Camargo Macruz Feurwerker,
em densa tese de doutorado na
USP, intitulada "Além do discurso de mudança na educação médica" (Editora Hucitec, 2002, 304
páginas), tem propostas para mudar concepções e práticas do ensino superior, que podem aplicar-se a outros ramos da educação.
Defende democratização universitária, mudança institucional,
com participação acrescida de
professores e alunos, planejamento estratégico, com a transformação do processo de produção de profissionais. Laura Feuerwerker termina por acentuar o
momento histórico contemporâneo e a necessidade de buscar alternativas em face das contradições da vida, propondo "uma
compreensão mais profundamente dialética a respeito das
possibilidades do futuro". Merece
nossa reflexão.
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