São Paulo, quinta-feira, 05 de julho de 2007

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PASQUALE CIPRO NETO

"Porque sempre foste a primavera..."

Vinicius de Moraes transitou com garbo pela linguagem erudita e pela popular -nas letras das canções e na poesia

VINICIUS DE MORAES morreu em 9 de julho de 1980. Na próxima segunda-feira, é provável que se fale dos 27 anos de sua morte, mas, como o tempo passado não é "redondo", não deve haver o barulho que certamente haverá daqui a três anos ("Trinta anos sem Vinicius de Moraes...").
Vinicius transitou com garbo pela linguagem erudita e pela popular. Nas suas letras, valeu-se da coloquial combinação de "você" com "te" e "teu" -como em "Samba em Prelúdio", cuja melodia é de Baden Powell: "Volta, querido, os meus braços precisam dos teus (...) Sem você, meu amor..."-, mas também escreveu com rigorosa uniformidade de tratamento -como em "Apelo", cuja melodia também é de Baden: "Não vás embora, vê a vida como chora, vê que triste esta canção (...) Não te ausentes, pois a dor que agora sentes só se esquece no perdão (...) Eu te suplico: não destruas tantas coisas que são tuas...".
Pois bem. A uniformidade de tratamento volta e meia vem à tona nos concursos públicos e vestibulares (Fuvest e Unesp à frente -nessas instituições não é rara a abordagem do tema). De que se trata? Consiste, por exemplo, em usar "tu" em combinação com "teu/s", "tua/s", "te", "ti" e "contigo" ou em empregar "você/s" (ou "senhor/a", "senhores/as", "Vossa/s Excelência/s" etc.) em combinação com "seu/s", "sua/ s", "lhe/ s", "o/s", "a/s", "si" e "consigo".
Esse procedimento se encontra predominantemente na escrita -mais nas obras antigas, mas não apenas nelas. Na nossa poesia, não é preciso ir ao século 19 -não faltam exemplos em Drummond ("As Sem-Razões do Amor": "Eu te amo porque te amo / Não precisas ser amante / E nem sempre sabes sê-lo") ou em Bandeira ("O Impossível Carinho": "Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo / Quero apenas contar-te a minha ternura / Ah se em troca de tanta felicidade que me dás / Eu te pudesse repor / - Eu soubesse repor- / No coração despedaçado / As mais puras alegrias de tua infância").
Na música popular, pode-se recorrer a João de Barro, o inesquecível Braguinha, que na bela letra de "Carinhoso" (cuja melodia -a melodia, não a letra- é de Pixinguinha) emprega o pronome "tu" em rigorosa combinação com "teu" etc.: "Meu coração (...) bate feliz quando te vê (...) Se tu soubesses como (...) não fugirias mais de mim".
Pode-se também recorrer a Caetano Veloso ("Os Passistas", entre tantas outras: "Vem / Eu vou pousar a mão no teu quadril / Multiplicar-te os pés por muitos mil / Fita o céu / Roda"), a Chico Buarque ("Atrás da Porta", cuja melodia é de Francis Hime: "Quando olhaste bem nos olhos meus / E o teu olhar era de adeus...") ou a Vinicius ("Canto Triste", cuja melodia é de Edu Lobo: "Porque sempre foste a primavera em minha vida / Desponta novamente no meu canto").
A competência lingüística plena -não custa relembrar- inclui o domínio dos instrumentos necessários para a compreensão e o emprego do maior número possível de registros -do culto formal ao popular, do clássico ao moderno. Volto ao assunto na semana que vem, para tratar de alguns detalhes técnicos da uniformidade. É isso.

inculta@uol.com.br


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