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PASQUALE CIPRO NETO
"Porque sempre foste a primavera..."
Vinicius de Moraes transitou com garbo pela linguagem erudita e pela popular -nas letras das canções e na poesia
VINICIUS DE MORAES
morreu em 9 de julho de
1980. Na próxima segunda-feira, é provável que se fale dos 27
anos de sua morte, mas, como o
tempo passado não é "redondo", não
deve haver o barulho que certamente haverá daqui a três anos ("Trinta
anos sem Vinicius de Moraes...").
Vinicius transitou com garbo pela
linguagem erudita e pela popular.
Nas suas letras, valeu-se da coloquial combinação de "você" com
"te" e "teu" -como em "Samba em
Prelúdio", cuja melodia é de Baden
Powell: "Volta, querido, os meus
braços precisam dos teus (...) Sem
você, meu amor..."-, mas também
escreveu com rigorosa uniformidade de tratamento -como em "Apelo", cuja melodia também é de Baden: "Não vás embora, vê a vida como chora, vê que triste esta canção
(...) Não te ausentes, pois a dor que
agora sentes só se esquece no perdão (...) Eu te suplico: não destruas
tantas coisas que são tuas...".
Pois bem. A uniformidade de tratamento volta e meia vem à tona
nos concursos públicos e vestibulares (Fuvest e Unesp à frente
-nessas instituições não é rara a
abordagem do tema). De que se
trata? Consiste, por exemplo, em
usar "tu" em combinação com
"teu/s", "tua/s", "te", "ti" e "contigo" ou em empregar "você/s" (ou
"senhor/a", "senhores/as", "Vossa/s Excelência/s" etc.) em combinação com "seu/s", "sua/ s", "lhe/
s", "o/s", "a/s", "si" e "consigo".
Esse procedimento se encontra
predominantemente na escrita
-mais nas obras antigas, mas não
apenas nelas. Na nossa poesia, não
é preciso ir ao século 19 -não faltam exemplos em Drummond ("As
Sem-Razões do Amor": "Eu te amo
porque te amo / Não precisas ser
amante / E nem sempre sabes sê-lo") ou em Bandeira ("O Impossível Carinho": "Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo / Quero
apenas contar-te a minha ternura /
Ah se em troca de tanta felicidade
que me dás / Eu te pudesse repor /
- Eu soubesse repor- / No coração despedaçado / As mais puras
alegrias de tua infância").
Na música popular, pode-se recorrer a João de Barro, o inesquecível Braguinha, que na bela letra
de "Carinhoso" (cuja melodia -a
melodia, não a letra- é de Pixinguinha) emprega o pronome "tu"
em rigorosa combinação com "teu"
etc.: "Meu coração (...) bate feliz
quando te vê (...) Se tu soubesses como (...) não fugirias mais de mim".
Pode-se também recorrer a Caetano Veloso ("Os Passistas", entre
tantas outras: "Vem / Eu vou pousar a mão no teu quadril / Multiplicar-te os pés por muitos mil / Fita
o céu / Roda"), a Chico Buarque
("Atrás da Porta", cuja melodia é
de Francis Hime: "Quando olhaste
bem nos olhos meus / E o teu olhar
era de adeus...") ou a Vinicius
("Canto Triste", cuja melodia é de
Edu Lobo: "Porque sempre foste a
primavera em minha vida / Desponta novamente no meu canto").
A competência lingüística plena
-não custa relembrar- inclui o
domínio dos instrumentos necessários para a compreensão e o emprego do maior número possível de
registros -do culto formal ao popular, do clássico ao moderno.
Volto ao assunto na semana que
vem, para tratar de alguns detalhes
técnicos da uniformidade. É isso.
inculta@uol.com.br
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