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ENTREVISTA
CARLOS AUGUSTO MONTEIRO
Queda na desnutrição se deve à maior escolaridade materna
Fator foi principal responsável pela redução da desnutrição infantil, diz Carlos Monteiro
Um dos responsáveis por pesquisa do Cebrap, ele diz que maior nível de escolaridade ajuda mães a cuidar melhor dos filhos
Ciete Silvrio - 12.mar.04/Folha Imagem
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Carlos Augusto Monteiro, do Nupens
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
A maior escolaridade das
mães é o principal fator para a
queda pela metade da desnutrição infantil no Brasil. No período 1996-2006, também pesaram para a obtenção desse resultado o aumento da renda familiar, a melhora da rede pública de saúde e a expansão das redes de saneamento básico.
É o que afirma Carlos Augusto Monteiro, do Nupens (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde) da USP, um dos responsáveis pela
pesquisa encomendada pelo
Ministério da Saúde e coordenada pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). A seguir, os principais trechos da entrevista:
FOLHA - A grande novidade da pesquisa está na queda da desnutrição?
CARLOS AUGUSTO MONTEIRO - Sem
dúvida. Temos uma redução
muito acentuada da prevalência da desnutrição infantil nos
últimos dez anos. Em 1996,
13,5% das crianças entre zero e
cinco anos padeciam de desnutrição crônica, identificada pela
presença de déficits do crescimento. Na pesquisa de 2006, a
mesma prevalência foi de 6,8%.
A queda é de 50%, e as pesquisas são comparáveis. A desnutrição infantil vem declinando
no Brasil desde 1975, quando
alcançava 37% das crianças.
Em 1989 alcançava 19,8%.
FOLHA - Pode-se dizer então que,
em dez anos, caiu pela metade o número de crianças que passa fome?
MONTEIRO - Não, não é bem isso. Esses números dizem respeito à desnutrição crônica,
que revela condições não adequadas de alimentação em
quantidade ou qualidade, habitualmente associadas a episódios repetidos de diarréia e infecções respiratórias. Os números indicam que essas crianças estão agora mais bem alimentadas e com melhor saúde.
FOLHA - Existe uma queda uniforme em todas as regiões do país?
MONTEIRO - Essa é a outra grande novidade. O declínio da desnutrição infantil na região Nordeste foi intenso nos últimos
dez anos (de 22% para 6%), de
tal modo que o tradicional diferencial entre o Nordeste e o
centro-sul já não mais existe.
Com 14% de crianças desnutridas, a região Norte é, hoje, o
grande problema.
FOLHA - A desnutrição crônica é a
pior forma de desnutrição?
MONTEIRO - Na realidade, é a
forma de desnutrição com a
qual devemos nos preocupar.
Nunca tivemos uma prevalência elevada de desnutrição aguda, que está mais associada à fome, à escassez absoluta de alimentos, como em alguns países
da África ou do sul da Ásia. Em
1996 esse problema ainda existia de forma residual no Nordeste, mas hoje pode-se dizer
que está sob controle.
FOLHA - Qual o quadro em termos
de porcentagem?
MONTEIRO - As formas agudas
de desnutrição são identificadas quando a proporção do peso para a altura é muito baixa.
Em populações bem nutridas,
não mais do que 2% das crianças estão nessa situação -as
crianças constitucionalmente
magras. No Nordeste, em 1996,
ainda tínhamos 3,5% de crianças assim. Hoje, temos 2%. O
problema não existe mais.
FOLHA - Por que essa melhoria? Seria em razão dos programas de distribuição de renda?
MONTEIRO - O fator mais importante, que explicaria um
terço do declínio, foi a melhoria
excepcional no nível de escolaridade das mães. A seguir, o aumento do poder aquisitivo das
famílias, o que explicaria quase
outro terço do declínio.
FOLHA - Por quê?
MONTEIRO - Quando falamos de
escolaridade, falamos essencialmente da qualidade do cuidado infantil. A maior escolaridade ajuda a mãe a saber como
alimentar seu filho, quando levá-lo ao posto de saúde, quais
vacinas precisa tomar, como
buscar ajuda etc. A associação
entre escolaridade materna e
risco de desnutrição infantil é
uma das mais fortes e mais consistentes na área de estudos populacionais.
FOLHA - Como evoluiu a escolaridade materna entre 1996 e 2006?
MONTEIRO - Os filhos de mães
com menos de quatro anos de
escolaridade eram 28% das
crianças e hoje são 11%. Já os filhos de mães com pelo menos
oito anos de escolaridade passaram de 32% para 62%.
FOLHA - Trata-se então do resultado de investimentos feitos pelos governos no passado.
MONTEIRO - Exato. A maioria
das mães de que estamos falando têm entre 20 e 30 anos e,
portanto, cursaram o ensino
fundamental há dez ou 20 anos.
Estamos agora colhendo os frutos de investimentos no ensino
fundamental naquele período.
E o prosseguimento desses investimentos nos últimos dez
anos nos autorizam a prever
melhorias na nutrição infantil.
FOLHA - E qual o peso do Bolsa Família nesse quadro?
MONTEIRO - A cobertura do Bolsa Família é muito alta nos estratos de menor renda e, nesses
estratos, o valor recebido representa parte importante da
renda das famílias. Certamente
o Bolsa Família teve papel importante em reduzir de 33% para 10% a proporção de crianças
classificadas na classe E de poder aquisitivo. Mas outros fatores, como a redução do desemprego e o aumento real do salário mínimo ajudaram. Pode-se
dizer que, juntos, o Bolsa Família, a redução do desemprego e
o aumento do salário mínimo
explicariam quase um terço do
declínio da desnutrição infantil
entre 1996 e 2006.
FOLHA - Há outros fatores?
MONTEIRO - Sim, há também a
expansão de cobertura na rede
básica de assistência à saúde e
no saneamento. A proporção
de filhos de mulheres que fizeram ao menos seis consultas de
pré-natal aumentou no período
de 59% para 75%, enquanto a
proporção dos que residiam em
domicílios ligados às redes de
água e esgoto passou de 32,1%
para 43,5%. A melhoria mais
modesta nesses indicadores explica o por que de a expansão da
assistência à saúde e do saneamento terem impacto menos
expressivo sobre o declínio da
desnutrição. E aponta a necessidade de investir mais nesses
setores. Com mais investimento -e mantendo-se as melhorias expressivas na escolaridade das mães e no poder aquisitivo-, em menos de dez anos poderemos considerar a chaga da
desnutrição infantil como coisa
de um passado que gostaríamos
de não ter tido.
FOLHA - E quando se trata de comparações entre os mais ricos e os
mais pobres?
MONTEIRO - Dividimos a população de crianças em cinco
quintos crescentes do poder
aquisitivo familiar. Em 1996,
entre os 20% mais pobres, a
desnutrição era de 30%. Hoje, é
de 11%. Em dez anos, a desnutrição foi praticamente reduzida a um terço. Entre os mais ricos, era de 5%, e temos hoje 4%.
FOLHA - Como explicar a desnutrição de crianças mais ricas?
MONTEIRO - A proporção de
crianças de baixa estatura em
populações bem alimentadas e
com ótimas condições de saúde
é, por definição, de 2,3%. Tudo
o que tivermos acima de 2,3%,
em tese, representa desnutrição. Os 4% de crianças nessas
condições no estrato de maior
poder aquisitivo pode ser devido à presença de doenças, cuidados insuficientes, mães adolescentes, entre outros fatores.
FOLHA - Como os resultados da
pesquisa situam o Brasil diante de
outros países em desenvolvimento?
MONTEIRO - Uma forma de avaliar é comparar a prevalência
de crianças desnutridas no Brasil com a mesma prevalência
em países com o mesmo PIB
(soma das riquezas produzidas) per capita. Para fazer essa
comparação, usamos dados de
87 países em desenvolvimento,
além do Brasil. Em 2006, a prevalência de cerca de 7% de
crianças desnutridas seria menos da metade daquela prevista
pela curva internacional. A
mesma comparação em 1975
indica que àquela época a prevalência era superior a países
com o mesmo PIB per capita.
FOLHA - Quais as comparações
com a América Latina?
MONTEIRO - A comparação mais
adequada talvez seja com o México, país cujo PIB per capita é
semelhante ao do Brasil. Lá, a
desnutrição infantil no mesmo
ano de 2006 alcançava cerca de
13% das crianças, mais que o
dobro do observado no Brasil.
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