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PERFIL
Pintor de dia pichador de noite
Participante da 29ª Bienal, Djan Ivson , 26, pinta paredes de dia para pagar as contas e, à noite, picha os muros de São Paulo
LETICIA DE CASTRO
DE SÃO PAULO
Embora esteja trabalhando há dois meses na pintura
dos 48 apartamentos, pouca
gente conhece Djan Ivson na
construção do prédio no alto
de uma colina em Barueri.
Já na Galeria Olido, na avenida São João, centro de São
Paulo, o paulistano de 26
anos é saudado sempre que
aparece nas noites de quinta-feira, quando os pichadores
se reúnem para o rolê semanal na região.
Um dos representantes da
pichação na 29ª Bienal de
São Paulo, Ivson pinta paredes em Barueri de dia para
pagar as contas, desde o fim
dos anos 1990. O bico virou
profissão graças à pichação.
Por causa dos estragos que
causavam no município da
Grande SP, Ivson e sua trupe
foram chamados pela prefeitura que, na impossibilidade
de combatê-los, decidiu convidá-los a pintar muros."Virou meu ganha-pão", diz.
A pintura de parede substituiu os delitos que praticava na época, o auge da adolescência, na região.
Arrombamento, furto e assalto foram algumas modalidades pelas quais Ivson enveredou. "A gente furtava bebida e vendia para os bares."
PROCESSOS
Criado pela mãe e por mais
duas tias, Ivson se mudou do
centro de São Paulo para Barueri aos sete anos. Nunca
conviveu com o pai, que hoje
tenta carreira política em
Francisco Morato -em 2008,
candidatou-se a vereador.
Foi na escola de Barueri,
abandonada na 7ª série, que
conheceu a pichação.
Acompanhando grupos
como Os Assassinos, Garotos
e Cripta, que integra até hoje,
rodou São Paulo gravando
sua assinatura nos muros e
pegou o início do processo de
escalada, nos anos 1990, que
radicalizou a competição:
quanto mais no alto a assinatura, mais respeito se ganhava entre pichadores.
Em 2004, quando acabou
pego escalando sozinho um
prédio na avenida Rio Branco e assinou seu oitavo processo por vandalismo -todos arquivados por serviços
prestados à comunidade-,
decidiu aposentar o spray.
Trocou, então, as tintas
por uma câmera filmadora.
Comprou uma Hi8 com o dinheiro das pinturas de parede e passou a registrar a pichação nas madrugadas de
São Paulo. O material foi lançado em oito DVDs, que viraram mania entre os pichadores da capital.
"Entre os mais jovens, ele
virou uma espécie de líder.
Todo mundo quer aparecer
no DVD", diz o fotógrafo João
Wainer, diretor do documentário "Pixo" ao lado de Roberto T. Oliveira, que usa
imagens captadas por Djan
desde 2004.
INVASÃO
No ano passado, Ivson
participou em Paris da retrospectiva de grafite da Fundação Cartier. Agora, ele e
sua trupe se apresentam para
a elite da arte do país.
Selecionados por Ivson, o
fotógrafo Choque e Rafael
"Pixobomb" Augustaitz, folhinhas de assinaturas de vários grupos, convites de festas, fotos e vídeos representarão a pichação na 29ª Bienal, que começa no dia 25
com o tema Arte e Política.
"Se a gente vai discutir política, não podemos ignorar
uma manifestação como a pichação", afirma o curador
Moacir dos Anjos.
Além da polêmica invasão
da Bienal em 2008, quando
um grupo pichou paredes e
vidros e trocou agressões
com seguranças, Ivson e Rafael são responsáveis por ataques à Faculdade Belas Artes
e à galeria Choque Cultural.
"As instituições de arte
acham que só é arte o que
eles autorizam. A gente só
quer que eles deixem de ser
hipócritas e aceitem a potência artística da pichação", diz
Ivson, que afirma não frequentar museus nem nunca
ter ouvido falar de Bienal até
se envolver com os ataques.
Em um grupo vinculado
à marginalidade e à contravenção, os esforços para ser
reconhecido podem não ser
bem vistos.
"Tem muita gente que
acha bobagem essa história
de Bienal e que critica o fato
de ele estar capitalizando sozinho essa parada, se promovendo como se fosse o inventor do pixo", conta Pinguim,
38, do 8º Batalhão.
Ivson rebate: "É tudo em
nome do movimento, mas
nem todo mundo entende.
Tem muito ego e muita inveja
no meio da pichação".
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