São Paulo, domingo, 05 de setembro de 2010

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PERFIL

Pintor de dia pichador de noite

Participante da 29ª Bienal, Djan Ivson , 26, pinta paredes de dia para pagar as contas e, à noite, picha os muros de São Paulo

LETICIA DE CASTRO
DE SÃO PAULO

Embora esteja trabalhando há dois meses na pintura dos 48 apartamentos, pouca gente conhece Djan Ivson na construção do prédio no alto de uma colina em Barueri.
Já na Galeria Olido, na avenida São João, centro de São Paulo, o paulistano de 26 anos é saudado sempre que aparece nas noites de quinta-feira, quando os pichadores se reúnem para o rolê semanal na região.
Um dos representantes da pichação na 29ª Bienal de São Paulo, Ivson pinta paredes em Barueri de dia para pagar as contas, desde o fim dos anos 1990. O bico virou profissão graças à pichação.
Por causa dos estragos que causavam no município da Grande SP, Ivson e sua trupe foram chamados pela prefeitura que, na impossibilidade de combatê-los, decidiu convidá-los a pintar muros."Virou meu ganha-pão", diz.
A pintura de parede substituiu os delitos que praticava na época, o auge da adolescência, na região.
Arrombamento, furto e assalto foram algumas modalidades pelas quais Ivson enveredou. "A gente furtava bebida e vendia para os bares."

PROCESSOS
Criado pela mãe e por mais duas tias, Ivson se mudou do centro de São Paulo para Barueri aos sete anos. Nunca conviveu com o pai, que hoje tenta carreira política em Francisco Morato -em 2008, candidatou-se a vereador.
Foi na escola de Barueri, abandonada na 7ª série, que conheceu a pichação.
Acompanhando grupos como Os Assassinos, Garotos e Cripta, que integra até hoje, rodou São Paulo gravando sua assinatura nos muros e pegou o início do processo de escalada, nos anos 1990, que radicalizou a competição: quanto mais no alto a assinatura, mais respeito se ganhava entre pichadores.
Em 2004, quando acabou pego escalando sozinho um prédio na avenida Rio Branco e assinou seu oitavo processo por vandalismo -todos arquivados por serviços prestados à comunidade-, decidiu aposentar o spray.
Trocou, então, as tintas por uma câmera filmadora. Comprou uma Hi8 com o dinheiro das pinturas de parede e passou a registrar a pichação nas madrugadas de São Paulo. O material foi lançado em oito DVDs, que viraram mania entre os pichadores da capital.
"Entre os mais jovens, ele virou uma espécie de líder. Todo mundo quer aparecer no DVD", diz o fotógrafo João Wainer, diretor do documentário "Pixo" ao lado de Roberto T. Oliveira, que usa imagens captadas por Djan desde 2004.

INVASÃO
No ano passado, Ivson participou em Paris da retrospectiva de grafite da Fundação Cartier. Agora, ele e sua trupe se apresentam para a elite da arte do país.
Selecionados por Ivson, o fotógrafo Choque e Rafael "Pixobomb" Augustaitz, folhinhas de assinaturas de vários grupos, convites de festas, fotos e vídeos representarão a pichação na 29ª Bienal, que começa no dia 25 com o tema Arte e Política.
"Se a gente vai discutir política, não podemos ignorar uma manifestação como a pichação", afirma o curador Moacir dos Anjos.
Além da polêmica invasão da Bienal em 2008, quando um grupo pichou paredes e vidros e trocou agressões com seguranças, Ivson e Rafael são responsáveis por ataques à Faculdade Belas Artes e à galeria Choque Cultural.
"As instituições de arte acham que só é arte o que eles autorizam. A gente só quer que eles deixem de ser hipócritas e aceitem a potência artística da pichação", diz Ivson, que afirma não frequentar museus nem nunca ter ouvido falar de Bienal até se envolver com os ataques.
Em um grupo vinculado à marginalidade e à contravenção, os esforços para ser reconhecido podem não ser bem vistos.
"Tem muita gente que acha bobagem essa história de Bienal e que critica o fato de ele estar capitalizando sozinho essa parada, se promovendo como se fosse o inventor do pixo", conta Pinguim, 38, do 8º Batalhão.
Ivson rebate: "É tudo em nome do movimento, mas nem todo mundo entende. Tem muito ego e muita inveja no meio da pichação".


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