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São Paulo, domingo, 05 de outubro de 2003

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DANUZA LEÃO

Dançar: o problema?

Outro dia fiz um programa diferente.
Fui com amigos a um antiquário num casarão da rua do Lavradio (em plena Lapa, no centro do Rio) que à noite funciona como casa noturna com conjuntos de samba e de choro, só música brasileira. Chegamos lá pelas 9h e o conjunto musical -moças e rapazes- tocava músicas antigas maravilhosas, que eu nem me lembrava mais que existiam. O movimento começa lá pelas 6h30 da tarde, com o pessoal que sai do trabalho e vai tomar um chopinho; gente normal, modesta, familiar.
Já entrando na seara de Nassif, quando vi, estava cantando (bem baixinho) "Ai, ai ai, Isaura, hoje eu não posso ficar, se eu cair nos seus braços, não há despertador que me faça acordar, eu vou trabalhar" -e por aí fui. Foi uma viagem, e daí a pouco alguns casais começaram a dançar. Jovens, menos jovens, mais velhos, todos dançavam pelo prazer, pela alegria da dança.
Alguns caprichavam nos passos, outros menos, e aí comecei a pensar em há quantos anos não dançava. E olha que eu gostava: não podia ouvir uma música, qualquer que fosse o ritmo, que já começava a me balançar.
Saía na Banda de Ipanema, ia aos bailes de Carnaval -uma fantasia para cada um- e ainda frequentava a vida noturna o resto do ano (sempre dançando). Mas um dia isso acabou.
Nessa noite fiquei com inveja de ver as pessoas tão soltas, tão alegres, na pista de dança. Inveja e pânico: e se alguém me tirasse para dançar? Pensei que, se isso acontecesse, eu ficaria paralisada, em estado de choque. Quando cheguei em casa -e no dia seguinte-, comecei a analisar seriamente o assunto.
Conversei com meu filho, que me disse que se sente como eu: não consegue mais dançar. Fui perguntando aos amigos e às amigas e todos me responderam mais ou menos a mesma coisa: "Dançar, eu? Por nada neste mundo".
Pode parecer uma bobagem, mas não é: por que tantas pessoas, de todas as idades, encaram uma pista de dança tão normalmente e outras (como eu) seriam capazes de desmaiar se fossem apenas convidadas para dançar? Será excesso de censura, vergonha, pudor, o que, afinal? Continuei falando sobre o assunto para ver se encontrava o nó, mas não consegui. Mas ouvi de uma pessoa muito simples e muito sábia uma coisa de que gostei muito. Ele me disse: "Você pensa que passarinho canta porque está alegre? Pois é o contrário: passarinho é alegre porque canta". Pensei logo: será que as pessoas dançam porque estão alegres ou ficam alegres porque dançam? Pelo sim, pelo não resolvi: vou tomar aulas de dança de salão.
Não tenho a menor intenção de chegar a um desses lugares e dar um show na pista, nada disso. Quero soltar uma coisa que está travada dentro de mim e que tenho a certeza de que, se conseguir, minha vida, se não mudar, vai pelo menos melhorar -o que é sempre bom.
Só que as coisas não são fáceis: contatei o professor de dança, marcamos para o próximo sábado às 5h da tarde, estou encantada com a idéia, mas me conheço: no sábado, lá pela 1h da tarde, vou começar a sofrer -de medo. É ridículo, mas é assim que vai ser: medo de conhecer pessoas que nunca vi, vergonha de me levantar e dar uns passos no salão, medo de desmaiar, ter um ataque cardíaco ou os dois juntos.
Mas hoje (estou escrevendo na quinta) estou uma fortaleza e certíssima de que vou. E, para ajudar, vou escrever um papelzinho e botar na carteira, dizendo que o passarinho não canta porque é feliz: ele é feliz porque canta, e que Deus me ajude.
Você deve estar me achando uma boba, mas pare e pense: há quanto tempo você não dança?

E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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