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São Paulo, domingo, 05 de outubro de 2003

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TERCEIRO SETOR

Após afastamento, membros de associação criam dissidência para continuar trabalhando em hospital

HC enfrenta "racha" entre voluntárias

FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

Na manhã de um sábado, a professora aposentada Tereza Lopes Carreño, 70, recebeu um envelope com o timbre da Associação das Voluntárias do Hospital das Clínicas de São Paulo. Membro há 15 anos da cinquentenária entidade, ficou curiosa. "Pensei que era um convite para alguma festa."
"Por motivos de não-cumprimento das normas de conduta das voluntárias (...), cujo conteúdo é de seu conhecimento, queremos agradecer o período que esteve conosco (...). Todavia não necessitamos mais de sua colaboração", dizia a carta.
"O hospital era a minha vida", afirma Carreño, que trabalhava na área de neurologia. "Nunca recebi uma advertência. Uma vez, pediram que não usasse um par de brincos."
O caso é um dos que fomenta um "racha" no voluntariado do maior hospital da América Latina. Os primeiros casos relatados são de 2000. Abaixo-assinados correm pela unidade desde julho, apontando ausência de justificativa na exclusão de pelo menos seis voluntários e que parte dos integrantes está "amedrontada". Médicos providenciam novos crachás para quem já não pode usar a identificação, uniforme cor-de-rosa e a braçadeira do corpo oficial. Alguns dos afastados formam agora uma dissidência, uniformizada de branco.
"É uma injustiça contra pessoas que trabalham aqui há mais de quinze anos. Isso gerou uma cisão do voluntariado que é absurda. O que as voluntárias podem produzir é muito", afirma Leontina da Conceição Margarido, professora assistente do Departamento de Dermatologia.
A superintendência do hospital informou que, como a associação tem estatuto próprio, é independente, não interfere na situação. Em carta à superintendência, a diretoria não apresentou os motivos dos afastamentos.
Fundada em 1947 por mulheres de médicos, para suprir o déficit de pessoal, a associação é dominada por senhoras de classe média, elegantes, que transitam pela unidade com enxovais, material de higiene e doações para pacientes necessitados, além de acompanhar pacientes fragilizados e ajudar a organizar filas. Hoje a associação reúne 292 pessoas.
Palmira Licciardi, voluntária há mais de 30 anos, era responsável pelo voluntariado do Pamb (Prédio de Ambulatórios). Com os filhos já adultos, passava praticamente a semana toda na unidade. Antes do início dos afastamentos, conta que tinha visto a expulsão de apenas dois voluntários -um que usava o hospital para fazer campanha a vereador e outro que discutia com pacientes.
Chamada em julho a comparecer à sala da diretoria da associação, Licciardi foi convidada a entregar o crachá. "Não entendi nada", afirma. Duas outras senhoras assumiram a coordenação do prédio. Com avental branco, ainda presta serviços na neurologia.
"É uma dor moral, um buraco na alma", diz Béria Rocha (não revela a idade), outra das voluntárias que migrou para o grupo de branco, após ser afastada em 2000. Depois de convidada a integrar a associação como vice-presidente, foi excluída repentinamente, afirma. "Aqui o idosos são produtivos. Mas agora, de repente, são colocados de lado."


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