São Paulo, domingo, 05 de outubro de 2008

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GILBERTO DIMENSTEIN

Já ganhou



Vença quem vencer, o molde já está colocado; não estão em discussão objetivos, mas como atingi-los


UM GRUPO de velhinhos resolveu lançar uma guerrilha contra uma impropriedade ortográfica que consideravam ofensiva ao seu bairro. Clandestinamente, apagavam nas placas de sinalização o acento colocado na palavra Mooca. Mas foram flagrados pelo Metrô, quando um deles estava montado numa escada. Mas ganharam a guerra.
Apoiada em textos do professor Pasquale -um ex-morador da Mooca-, a "gangue do acento" fez o Metrô mudar as placas. É por causa desse tipo de orgulho e articulação que, naquele bairro, as escolas públicas e os índices de criminalidade se destacam da média da capital -até a semana passada, a Mooca não sofreu, neste ano, um único homicídio.
Esse poder do capital social -a rede de articulações de uma comunidade- é o que me leva a dizer que conhecer o nome do próximo prefeito, que começa a sair hoje das urnas, é menos importante do que se imagina.

 


As propostas semelhantes dos principais candidatos mostram que se cristalizaram consensos sobre qual deve ser o futuro de São Paulo. É o fato mais relevante da eleição. O resto, inclusive o nome do vencedor, é evidentemente importante, mas secundário.
Vença quem vencer, o molde já está colocado e terá de ser seguido.
Não estão em discussão objetivos, mas como atingi-los. Tirando o verniz do marketing, não se vê uma disputa ideológica entre direita e esquerda, honestos e corruptos, ricos e pobres. O futuro prefeito será medido pela habilidade ou não de tirar do papel as metas.

 


Todos os principais candidatos se comprometeram a colocar dinheiro no metrô pela simples razão de que a sociedade está cansada do carro e aposta no transporte público. O cansaço é tamanho que, segundo pesquisas, uma parcela razoável da população defende o aumento do rodízio. Está menor até mesmo a rejeição ao pedágio urbano.
Na área da saúde, é consenso que se devem construir mais centros de especialidades para evitar que os doentes entupam os hospitais e prontos-socorros, além da ampliação do atendimento primário.
É consenso que se deve dar mais atenção às crianças de zero a seis anos, ampliando as creches e pré-escolas. Nesta eleição, pela primeira vez, colocou-se como meta coletiva a ampliação da jornada escolar, com a adoção do tempo integral.
A julgar pelos programas, todos os principais candidatos concordam que não há cidade que preste sem o desenvolvimento do talento individual -o que depende, em grande parte, de múltiplos estímulos de saúde, de educação e de cultura. Por isso, eles concordam que o papel do prefeito é induzir o desenvolvimento local, favorecendo a periferia.

 


Além do pacto informal, outra novidade foi uma maior sofisticação das avaliações sobre os efeitos de políticas públicas locais -o que era escasso e, em muitas áreas, inexistente.
Isso se deve ao aprendizado dos meios de comunicação sobre as profundezas de São Paulo -a publicação do DNA Paulistano, da Folha, é um dos exemplos -e ao surgimento do movimento "Nossa São Paulo", que colocou metas em números para cada região.
Estamos com mais informação sobre o desempenho em cada atividade e em cada bairro -o que vai da mortalidade infantil até o número de bibliotecas por habitantes.

 


O debate torna-se, assim, mais complexo. Todos os candidatos apoiaram os CEUs -isso porque viraram (e com razão), antes de mais nada, um ícone de civilidade na periferia.
Mas graças à maior transparência, sabemos as notas dos alunos de cada CEU e podemos compará-las com a dos estudantes das escolas normais de seu entorno. Alguns deles perdiam até para escolas de lata.
Não quero dizer que os CEUs não devam ser ampliados, mas apenas que, com a comparação das notas, dá para saber que o mais importante -a formação do professor e dos gestores- está deficiente.

 


Estamos num círculo virtuoso provocado pelo aumento da renda, do emprego e da escolaridade -tudo gera mais gente atenta e articulada. Mas serão décadas e mais décadas até criarmos uma comunidade civilizada, sem tanta insegurança.
Ou seja, mais próxima da Mooca.
Por considerar que os candidatos que vão para o segundo turno são acima do regular e que a sociedade está mais organizada, posso dizer que, seja qual for o resultado das urnas, São Paulo vai continuar ruim por muito tempo, mas já ganhou.
 


PS - Há indícios de que o segundo turno pode ser marcado pela troca de acusações e baixaria -um clima favorecido porque se imagina que o resultado terá impacto na sucessão presidencial. É uma pena perder essa chance para aprofundar o debate sobre como alcançar as metas apoiadas pela sociedade.

gdimen@uol.com.br

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