São Paulo, segunda-feira, 05 de novembro de 2007

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Relator da ONU ouve parentes de vítimas de violência

Familiares de pessoas assassinadas relatam ao australiano Philip Alston, em São Paulo, suspeitas de envolvimento de policiais

DANIEL BERGAMASCO
DA REPORTAGEM LOCAL

O australiano Philip Alston, relator da ONU (Organização das Nações Unidas) para casos de execuções extrajudiciais, se encontrou ontem em São Paulo com representantes de ONGs e pessoas que tiveram parentes assassinados em circunstâncias ainda desconhecidas.
"Viemos ao Brasil por vários motivos, depois que a ONU recebeu muitas denúncias de crimes cometidos por policiais", afirmou ele à Folha, sem precisar números de denúncias. Ele avisou aos jornalistas que só dará entrevista ao final da viagem, prevista para durar 11 dias. Ele passará também pelo Rio de Janeiro, por Recife e por Brasília.
O termo "execução extrajudicial" só faz sentido em países onde há pena de morte, e pessoas são mortas sem autorização da Justiça. No Brasil, onde não existe autorização "judicial" para matar, o termo abrange assassinatos em geral.
O encontro com familiares de vítimas aconteceu em sala reservada na sede do Sindicato dos Jornalistas, no centro de São Paulo, na tarde de ontem. Quase todos saíam da conversa às lágrimas, após relatar em detalhes, com a ajuda de uma tradutora de inglês, as mortes de seus parentes.
Alston evita divulgar seu roteiro de reuniões por discrição, para evitar repetir a visita de Asma Jahangir, em 2003, quando uma testemunha foi assassinada três dias após se encontrar com a relatora.
Quase todos os parentes das famílias presentes foram mortos durante a onda de crimes iniciada por ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital), segundo elas próprias. Dos oito ouvidos pela Folha, todos diziam ter convicção ou suspeita de que seus parentes foram mortos por policiais.
Uma estudante cujo irmão desapareceu em maio do ano passado contou que o DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) a convocou para dar notícias sobre o caso. "Mesmo que seja uma notícia ruim, pelo menos vai acabar com essa incerteza da nossa família, que dói tanto", disse.
Uma outra testemunha de interior, que contou ter perdido dois parentes na onda de ataques de maio do ano passado, disse à ONU que policiais costumam atemorizar jovens em sua cidade dizendo frases como "Espalhem essa rodinha! Olha o carro preto chegando" e "os Ninjas estão vindo aí".

Depois da visita
Após falar com testemunhas e ONGs do Brasil, o relator Philip Alston deverá apresentar um relatório à ONU sobre as denúncias. A famílias dizem ter esperança de que a entidade possa pressionar o Brasil a investigar melhor os crimes e evitar que novos aconteçam.
Representantes de ONGs estavam mais céticos. "A ONU tem se mostrado inoperante. Sabe dos conflitos do Sudão, dos palestinos, mas não faz muita diferença. Mas, enfim, somos persistentes. Esperamos que eles pelo menos tomem conhecimento da situação que estamos vivendo no Brasil", disse Miguel Varoni, do grupo Tortura Nunca Mais.


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