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Debate sobre situação da terceira idade em São Paulo destaca barreiras que dificultam locomoção
Idosos conquistam direitos, mas sofrem com obstáculos
LUIZ CAVERSAN
DA REPORTAGEM LOCAL
Assim como tem acontecido
com as mulheres e com as crianças, cujos direitos são cada vez
mais reconhecidos e respeitados,
também o idoso caminha para
ocupar um lugar na sociedade em
que não será mais considerado
apenas um apêndice, dependente
e inútil. De qualquer maneira, essa categoria de cidadãos é obrigada a enfrentar, na cidade de São
Paulo, obstáculos urbanos que
tornam as vicissitudes inerentes à
sua condição ainda mais problemáticas.
Esses foram dois dos consensos
a que chegaram, na noite de quarta-feira, os debatedores que participaram da segunda rodada da série "A Vida na Metrópole", que a
Folha promove com o apoio da
UniFMU, a propósito dos 450
anos da cidade de São Paulo.
O tema do debate -realizado
no auditório do Museu Brasileiro
de Escultura- foi "Envelhecer
em São Paulo". O evento reuniu a
professora Ecléa Bosi, coordenadora da Universidade Aberta da
Terceira Idade da USP, Mário
Amato, empresário e presidente
emérito da Federação das Indústrias de São Paulo, e Wilson Jacob
Filho, diretor do serviço de geriatria do Hospital das Clínicas de
São Paulo. A coordenação foi do
jornalista Oscar Pilagallo.
"A humanidade lutou por séculos para acabar com o preconceito
contra as mulheres, depois lutou e
ainda luta contra preconceitos raciais. Agora, entra no século 21 no
combate à discriminação aos idosos", disse Ecléa Bosi, para quem
"nenhum fator biológico deve ser
motivo de discriminação".
Experiência própria
Mario Amato afirmou à platéia
(formada por 125 leitores do jornal previamente inscritos, mais
convidados) que estava ali para
dar um depoimento da vida de
um idoso de 85 anos. "Venho falar do velho por experiência própria", brincou, revelando em seguida que continua na ativa, pratica esportes ou faz ginástica diariamente e trabalha cerca de 14
horas por dia.
Amato recordou que nasceu em
pleno surto da gripe espanhola
em São Paulo e conseguiu sobreviver, "embora raquítico". Mas,
aos 18 anos, "já era um dos homens mais fortes desta cidade".
"Por isso digo que nós somos fruto de nossos hábitos e costumes.
Não há velhos, há os que já nascem velhos. É preciso, portanto,
se tratar, gostar de si mesmo."
O geriatra Wilson Jacob Filho
endossou a opinião de Ecléa Bosi
quanto à conquista dos direitos
dos idosos. "Houve um tempo em
que não era dada a palavra à
criança, sempre tratada como um
cidadão de segunda classe. Dizia-se que ela era a última a falar e a
primeira a apanhar. Hoje, a opinião da criança é muito importante. Não tenho dúvida de que isso vai acontecer com o velho num
espaço de tempo muito curto."
Jacob Filho lembrou que os conhecimentos científicos em relação ao envelhecimento são muito
recentes na comparação com outros campos e que durante muito
tempo se procurou apenas combater, buscar a "cura" em vez de
se entender o processo.
Ecléa Bosi defendeu a idéia de
que o idoso é um ser especial:
"Todo idoso se diferencia porque
ele tem uma densidade biográfica
que os mais jovens não têm. Possuem algo a contar. Portanto, a
memória do velho alarga os horizontes da cultura".
A professora se referiu à realização de uma pesquisa durante a
qual a história da cidade de São
Paulo pôde ser resgatada apenas
pelo depoimento de idosos. "Falou-se dos mata-mosquitos de
Oswaldo Cruz, da gripe espanhola, das peripécias do ladrão Meneghetti, que roubava dos ricos para
dar aos pobres, dos corsos carnavalescos na Paulista, dos bailes do
1º de Maio, da Coluna Prestes, dos
enfrentamentos entre comunistas
e integralistas na praça da Sé."
Para Ecléa, porém, a memória
"enfrenta dificuldades", pois "o
meio urbano de São Paulo afasta
companheiros cujas relações sociais são imprescindíveis para a
memória coletiva. E, quando os
que presenciaram os fatos se dispersam, a memória se apaga".
Ainda com relação ao ambiente
urbano, Ecléa se referiu à degradação das calçadas da cidade, tema que ocasionou diversas intervenções da platéia. Ela disse que
escreveu uma carta à prefeita
Marta Suplicy pedindo providências, mas não obteve resposta. "As
calçadas de São Paulo estão todas
esburacadas, o que impede o idoso de se exercitar caminhando ou
de visitar amigos e familiares."
Mario Amato ressaltou a atividade permanente como elemento
fundamental para a manutenção
da saúde. "O problema é justamente a memória, que começa a
falhar. Às vezes esqueço o significado de uma palavra em inglês,
vou ver no dicionário e quando
abro o livro esqueci a palavra",
afirmou, provocando risos.
De qualquer maneira, lembrou
muito bem de seu passado de atleta e fez questão de corrigir Ecléa
Bosi: "O Meneghetti roubava dos
ricos, mas não dava para os pobres, não. Ficava com o dinheiro".
Referindo-se à sua área de atuação, a indústria, Amato lembrou
que o grupo Matarazzo era, então,
uma potência. "Hoje, nem existe
mais. Por isso que digo que é preciso evoluir, é preciso empreender alguma coisa, porque não se
pode simplesmente envelhecer
aos 60 anos. Às vésperas da morte, posso dizer que tenho saudade
da minha vida", afirmou.
Os termos usados para dividir a
população entre "jovens" e "velhos" nada mais são do que adjetivos discriminatórios, para o geriatra Wilson Jacob Filho.
Para o médico, o processo de
envelhecimento em si não causa
nenhuma limitação. "Se há uma
disfunção, se há a perda de alguma capacidade física num curto
espaço de tempo, isso não é envelhecimento, isso é doença. Uma
doença que, na quase totalidade
dos casos, é mal avaliada, mal
diagnosticada e mal tratada e que
termina atribuída à velhice."
Apesar de reconhecer que a cidade de São Paulo impõe obstáculos aos idosos, Jacob Filho acredita que "nunca houve tanta possibilita de envelhecer como hoje".
"Os números do IBGE comprovam como aumentou a expectativa de vida. Cabe portanto à sociedade, à família lutar para que o
bem-estar dessa vida mais longa
possa ser maior, tornar o ambiente mais compatível com a mudança populacional da qual seremos
protagonistas privilegiados."
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