São Paulo, Quinta-feira, 06 de Janeiro de 2000


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INCULTA & BELA

As lições de Tostão

PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha

Muita gente boa da literatura e das artes em geral -de Camus a João Cabral, de Décio Pignatari a Plínio Marcos- não nega (ou negou) sua paixão pelo futebol.
No triste Brasil da escura ditadura militar, entretanto, gostar de futebol podia ser visto como sinal de alienação. Eram os tempos do "ópio do povo".
Quanta besteira, meu Deus! Como dizem os meninos do Skank, na letra de Nando Reis, "que coisa linda é uma partida de futebol!". Libertos da patrulha, podemos, sem culpa, fruir dos encantos da bola, o que não nos livra do intragável besteirol do futebolês.
Mas nem tudo são trevas. Temos um personagem que, de certa forma, seguiu caminho inverso. Depois de exibir seu futebol refinadíssimo e de "sumir", Tostão nos encanta de novo, agora com seus inteligentes comentários e textos que sempre terminam com delicadas citações literárias.
No último domingo, Tostão fez deliciosa "análise crítica de clichês do futebol". Um deles ("Vamos correr atrás do prejuízo") recebeu a seguinte observação: "Se o time está perdendo, tem de correr atrás do lucro". Já vi muita gente boa defender a legitimidade dessa construção ("correr atrás do prejuízo"), com o argumento de que o uso lhe dá razão. O estranho é que ninguém diz que corre atrás do fracasso, do insucesso, da tristeza. O que se diz é que o time corre atrás da medalha, da vitória, da classificação. Por que diabos, então, correr atrás do prejuízo?
Tostão fulminou também uma até então inarredável pérola do futebolês: "O time está marcando sob pressão". Ora, por que o antológico filme de Sam Peckimpah se chama "Sob o Domínio do Medo"? Porque mostra o que podem fazer pacatas pessoas quando coagidas, quando dominadas pelo medo.
O time que "marca sob pressão" é pressionado? Age sob pressão? Está "sob o domínio da pressão"? Não se quer dizer isso. Quer-se dizer que o time pressiona o adversário, impõe-lhe dura marcação. Talvez fosse o caso de afirmar que o time marca pressionando.
A preposição "sob" e sua "prima" "sobre" são mesmo perigosas. Não é difícil ver por aí posto de gasolina que está "sobre nova direção".
Tomara que algumas das análises críticas de Tostão fiquem na memória de todos como aquela inesquecível jogada que antecedeu o gol de Jair contra a Inglaterra em 70. Evoé, Tostão! É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail: inculta@uol.com.br


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