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INCULTA & BELA
As lições de Tostão
PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha
Muita gente boa da literatura e das artes em geral -de
Camus a João Cabral, de Décio
Pignatari a Plínio Marcos-
não nega (ou negou) sua paixão pelo futebol.
No triste Brasil da escura ditadura militar, entretanto, gostar de futebol podia ser visto
como sinal de alienação. Eram
os tempos do "ópio do povo".
Quanta besteira, meu Deus!
Como dizem os meninos do
Skank, na letra de Nando Reis,
"que coisa linda é uma partida
de futebol!". Libertos da patrulha, podemos, sem culpa, fruir
dos encantos da bola, o que
não nos livra do intragável besteirol do futebolês.
Mas nem tudo são trevas. Temos um personagem que, de
certa forma, seguiu caminho
inverso. Depois de exibir seu
futebol refinadíssimo e de "sumir", Tostão nos encanta de
novo, agora com seus inteligentes comentários e textos
que sempre terminam com delicadas citações literárias.
No último domingo, Tostão
fez deliciosa "análise crítica de
clichês do futebol". Um deles
("Vamos correr atrás do prejuízo") recebeu a seguinte observação: "Se o time está perdendo, tem de correr atrás do
lucro". Já vi muita gente boa
defender a legitimidade dessa
construção ("correr atrás do
prejuízo"), com o argumento
de que o uso lhe dá razão. O estranho é que ninguém diz que
corre atrás do fracasso, do insucesso, da tristeza. O que se
diz é que o time corre atrás da
medalha, da vitória, da classificação. Por que diabos, então,
correr atrás do prejuízo?
Tostão fulminou também
uma até então inarredável pérola do futebolês: "O time está
marcando sob pressão". Ora,
por que o antológico filme de
Sam Peckimpah se chama "Sob
o Domínio do Medo"? Porque
mostra o que podem fazer pacatas pessoas quando coagidas,
quando dominadas pelo medo.
O time que "marca sob pressão" é pressionado? Age sob
pressão? Está "sob o domínio
da pressão"? Não se quer dizer
isso. Quer-se dizer que o time
pressiona o adversário, impõe-lhe dura marcação. Talvez fosse o caso de afirmar que o time
marca pressionando.
A preposição "sob" e sua
"prima" "sobre" são mesmo
perigosas. Não é difícil ver por
aí posto de gasolina que está
"sobre nova direção".
Tomara que algumas das
análises críticas de Tostão fiquem na memória de todos como aquela inesquecível jogada
que antecedeu o gol de Jair
contra a Inglaterra em 70.
Evoé, Tostão! É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail: inculta@uol.com.br
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