São Paulo, segunda-feira, 06 de janeiro de 2003

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MOACYR SCLIAR

No nome, está o destino

Chama-se Luíza o primeiro bebê nascido no Rio de Janeiro em 2003. O nome escolhido pelos pais é uma homenagem ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Cotidiano Online, 1º.jan.2003

Grande idéia teve esse casal -disse o marido à mulher. Grande idéia mesmo. Já imaginou? Quando perguntarem a essa menina como se chama, ela responderá: "Luiza, em homenagem ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva". Quando perguntam a qualquer pessoa o nome, a pessoa diz. Essa menina, não. Essa menina terá uma história para contar. E isso fará muita diferença, você não acha?
Ela não respondeu. Por duas razões: em primeiro lugar, porque, casados há vários anos, não tinham filhos, e falar sobre bebês era sempre um problema para ela, coisa que ele parecia não perceber. Em segundo lugar, porque, em questões de política, ele pontificava, como aliás pontificava em tudo. O papel dela era concordar. Ou agir em segredo. Ao contrário dele, votara em Lula sem lhe contar, claro. Ele já continuava:
- E se o Lula der certo, será melhor ainda. Porque aí o nome será um título. No colégio, os colegas dirão: "O nome dela é Luiza. Uma homenagem ao presidente." Todo mundo vai tratá-la bem. As professoras lhe darão atenção especial. Quando chegar a hora de arrumar um emprego, todas as portas se abrirão para ela. Isso, se ela procurar emprego. Porque meu palpite é que essa garota vai para a política. Começará modesta, irá subindo e, quem sabe um dia, terminará presidente. Como o Luiz Inácio Lula da Silva.
Pensou um pouco e continuou:
- Para ela, será fácil arranjar um emprego. É só se apresentar: "Eu me chamo Luiza, como aquele grande presidente".
Riu, irônico:
- Isso, naturalmente, se o Lula der certo. Porque, se não der certo, ela vai ter de arranjar uma outra explicação para o nome. Mas isso não será difícil. Eu, no lugar dela, diria que foi homenagem a um rei da França. Você, que lê muito, mulher, não houve um rei da França chamado Luís? Luís 16, uma coisa assim?
Sim, ela sabia que a França tivera um rei Luís 16. E sabia também o que tinha acontecido a esse rei. Por causa disso, mas também por muitas outras razões, surpreendeu-se de repente desejando fervorosamente que Luiz Inácio Lula da Silva, a quem Luiza devia o nome, desse certo. Luiza precisava disso. Ela também. Sem falar em muitos milhões de brasileiros, alguns dos quais chamados Luiz ou Luiza.


O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em reportagens publicadas no jornal.


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