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LETRAS JURÍDICAS
Nova presidente do STF fixa rumos
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Sempre que um novo presidente assume a chefia do Supremo Tribunal Federal (STF),
seu discurso de posse é, pelo tempo do mandato, uma espécie de
projeto de vida em face da nação.
Como a primeira mulher da história a assumir o cargo, há a particular curiosidade de saber como
ela encara sua missão. Nada como a leitura de seu discurso para
detectar o que foi dito, para assinalar qualidades e eventuais
omissões relevantes.
Nos econômicos minutos em
que a ministra Ellen Gracie
Northfleet falou à nação (os que a
viram pela TV Justiça superavam
em heterogeneidade o auditório
do Supremo Tribunal Federal)
chamou atenção seu ânimo de
não decidir sozinha. Primeiro reconheceu que "ninguém é só, isolado ou unitário", para acrescentar com ênfase que, nessa condição unitária, nem mesmo se pode
situar "o mais retirado dos eremitas, cujo distanciamento o coloca
sempre em referência com a vida
gregária a que faz contraponto".
Com a missão de dirigir trabalhos de mais dez magistrados, cuja função precípua é a de guardas
da Constituição, lembrou a imposição soberana da interação. Nada mais natural para quem passou grande parte de sua "vida
profissional em órgão colegiado,
onde as deliberações passam pelo
debate entre pontos de vista divergentes até alcançarem a depuração necessária a se cristalizarem em decisões finais".
Nada mais natural, mas muito
complicado. Às vezes, achar a
maioria, situá-la, é coisa de bateador no meio da corrente, em
ribeirão pobre de pepitas. Ela
adotou caminho oposto ao de seu
antecessor, Nelson Jobim, centro
de seus maiores elogios. Jobim pôs
em tudo o que fez a clara intenção
de o fazer, segundo sua própria
visão, mesmo quando controvertida. "Nada foi culposo", enunciou na despedida.
Ellen Gracie foi indicada por
Fernando Henrique Cardoso ao
Senado. Lembrou bem que esse
modo muito criticado de formar o
STF gera, para o presidente da
República, grave responsabilidade, mas não rediscutiu o problema, para apontar soluções alternativas. Nem era hora de o fazer,
mas o assunto está presente nas
discussões de todos os trabalhadores do direito. A indicação pelo
presidente da República, igual à
dos Estados Unidos, diverge do
país do norte no comportamento
do Senado. Aqui se limita a um
rasgar de sedas, em que muitas
vezes até o terçar de espadas é
combinado, para parecer debate.
Bem verdade é que, na nação
norte-americana, a vitaliciedade
do nomeado não é interrompida
aos 70 anos, se o nomeado viver
até lá.
Nosso sistema não é bom, mas é
o melhor. Nos primeiros meses ou
anos depois da nomeação, há a ligação com o chefe do Executivo,
autor da indicação. Nem sempre,
mas a gratidão é humana. Depois, cada um vai para o seu lado,
e a independência do voto subsiste. Quem pensar o contrário deve
ler a biografia de Thomaz Becket
(1118-1170), político inglês de muitos mensalões que, ao ser nomeado arcebispo de Canterbury por
Henrique 2º, passou a adotar linha de estritíssima probidade, desagradando o rei. A Northfleet
tem razão, quando vê a "melhor
homenagem que pode um ministro do Supremo Tribunal Federal
endereçar ao chefe de Estado que
o nomeou encontra-se no exercício impecavelmente independente e imparcial da tarefa insigne".
Esse é, de fato, o ideal a perseguir.
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