São Paulo, sábado, 06 de maio de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LETRAS JURÍDICAS

Nova presidente do STF fixa rumos

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Sempre que um novo presidente assume a chefia do Supremo Tribunal Federal (STF), seu discurso de posse é, pelo tempo do mandato, uma espécie de projeto de vida em face da nação. Como a primeira mulher da história a assumir o cargo, há a particular curiosidade de saber como ela encara sua missão. Nada como a leitura de seu discurso para detectar o que foi dito, para assinalar qualidades e eventuais omissões relevantes.
Nos econômicos minutos em que a ministra Ellen Gracie Northfleet falou à nação (os que a viram pela TV Justiça superavam em heterogeneidade o auditório do Supremo Tribunal Federal) chamou atenção seu ânimo de não decidir sozinha. Primeiro reconheceu que "ninguém é só, isolado ou unitário", para acrescentar com ênfase que, nessa condição unitária, nem mesmo se pode situar "o mais retirado dos eremitas, cujo distanciamento o coloca sempre em referência com a vida gregária a que faz contraponto".
Com a missão de dirigir trabalhos de mais dez magistrados, cuja função precípua é a de guardas da Constituição, lembrou a imposição soberana da interação. Nada mais natural para quem passou grande parte de sua "vida profissional em órgão colegiado, onde as deliberações passam pelo debate entre pontos de vista divergentes até alcançarem a depuração necessária a se cristalizarem em decisões finais".
Nada mais natural, mas muito complicado. Às vezes, achar a maioria, situá-la, é coisa de bateador no meio da corrente, em ribeirão pobre de pepitas. Ela adotou caminho oposto ao de seu antecessor, Nelson Jobim, centro de seus maiores elogios. Jobim pôs em tudo o que fez a clara intenção de o fazer, segundo sua própria visão, mesmo quando controvertida. "Nada foi culposo", enunciou na despedida.
Ellen Gracie foi indicada por Fernando Henrique Cardoso ao Senado. Lembrou bem que esse modo muito criticado de formar o STF gera, para o presidente da República, grave responsabilidade, mas não rediscutiu o problema, para apontar soluções alternativas. Nem era hora de o fazer, mas o assunto está presente nas discussões de todos os trabalhadores do direito. A indicação pelo presidente da República, igual à dos Estados Unidos, diverge do país do norte no comportamento do Senado. Aqui se limita a um rasgar de sedas, em que muitas vezes até o terçar de espadas é combinado, para parecer debate. Bem verdade é que, na nação norte-americana, a vitaliciedade do nomeado não é interrompida aos 70 anos, se o nomeado viver até lá.
Nosso sistema não é bom, mas é o melhor. Nos primeiros meses ou anos depois da nomeação, há a ligação com o chefe do Executivo, autor da indicação. Nem sempre, mas a gratidão é humana. Depois, cada um vai para o seu lado, e a independência do voto subsiste. Quem pensar o contrário deve ler a biografia de Thomaz Becket (1118-1170), político inglês de muitos mensalões que, ao ser nomeado arcebispo de Canterbury por Henrique 2º, passou a adotar linha de estritíssima probidade, desagradando o rei. A Northfleet tem razão, quando vê a "melhor homenagem que pode um ministro do Supremo Tribunal Federal endereçar ao chefe de Estado que o nomeou encontra-se no exercício impecavelmente independente e imparcial da tarefa insigne". Esse é, de fato, o ideal a perseguir.


Texto Anterior: Pimenta Neves é condenado, mas segue solto
Próximo Texto: Livros jurídicos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.