São Paulo, domingo, 06 de junho de 2004

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DANUZA LEÃO

Uma mulher

Uma mulher segura: é o que todas queremos ser.
Como seria ela? Firme; marca seus encontros diretamente no restaurante, não hesita na hora de escolher o que vai comer e beber, sabe sempre o que quer -não só na mesa- e diz, sem nenhum constrangimento.
Tem noções básicas de economia e consegue discutir, com a maior naturalidade, a taxa de juros. Se vai a um jantar ou a uma festa, chega em seu próprio carro, o que a faz praticamente inabordável: afinal, é na volta, na carona, que as coisas começam a se definir (contanto que seja ela quem decida, claro).
Para ela, o acaso, nem pensar. Prática, prefere que as rédeas da situação -qualquer que seja ela- estejam sempre em suas mãos. Afinal, uma mulher segura é aquela que tem controle sobre a sua própria vida e a dos outros, se possível.
Para isso lutou muito: se libertou da família, chorou em vários divãs de analistas e conseguiu a tal da independência. Mora só e entra em qualquer restaurante para almoçar ou jantar sozinha, sem medo de ser abordada com segundas -ou quintas- intenções, pois sabe perfeitamente como lidar com isso. Aprendeu criando uma couraça, mas valeu a pena; há muito tempo não se descabela por homem nenhum e não deixa que nenhum deles chegue perto do seu coração -a não ser seu cardiologista.
Quando convida um amigo para tomar um drinque em sua casa, não lhe passa pela cabeça, em nenhum momento, perguntar se ele prefere ouvir o Chico ou a Callas. É ela quem dá as cartas, quem decide, e está muito feliz assim. Tem consciência de quem é e o que quer da vida, como devem ser as mulheres modernas.
Ninguém melhor do que ela sabe se comportar numa festa: conversa com todo mundo, faz todos os charmes, mas sabe que o caminho para não se envolver é nunca olhar nos olhos de homem algum; se se distrair e acontecer, desvia rápido, e quando sente um olhar mais firme e percebe que está correndo algum risco, disfarça e vai para outro grupo. Sabe o risco que corre se, quando um homem a olha com firmeza, olha de volta. Se mantiver o olhar, pode ser um caminho sem volta, por isso brinca, ri, continua fazendo charme e foge. Tudo muito naturalmente, e nunca chegou a refletir sobre isso: já está ligada no automático há anos. Foge, a palavra é essa. Mas qual é seu medo?
Medo de se perder -perder sua força, sua segurança, ficar vulnerável. A vulnerabilidade, para uma mulher segura, é o maior dos perigos, e gostar de alguém é ficar frágil e correr riscos. O de ele um dia não querer tanto quanto ela ou não querer mais.
Ela conhece: como encarar uma reunião de trabalho, tomar decisões, assinar papéis; e se estiver apaixonada e ele ainda não tiver dado sinal de vida às 11h30 da manhã?
Por essas e outras não se distrai nunca, pois pretende continuar independente e segura, como sempre disseram que uma mulher deve ser.
Só que, no trânsito, vai pensando: bem que gostaria às vezes de ter alguém nem que fosse para discutir, para se queixar, para passar a noite em claro pensando que tem que mudar o rumo da vida pois assim não está dando; no fundo, para ser menos só.
Mas morre de medo: nada desorganiza mais a vida do que uma paixão.


E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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